Capítulo 42

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O sol já partia elegantemente quando avistamos um vilarejo. Diferentemente de todos os outros que vimos, esse ainda brilhava com vida ao invés de desaparecer entre as sombras e as cinzas. Eu ainda não conseguia compreender como a destruição de todos aqueles lugares seria, em parte, obra da rainha. Mesmo com a falta de lógica, eu acreditava em Liam e Octavia. Aliás, por que eles mentiriam sobre algo como aquilo? Mas mesmo assim... por que ela mataria seu próprio povo? Por que ela destruiria seu próprio território?

Meus pensamentos foram levados como pétalas pelo vento no instante em que meus ouvidos se deliciaram com algo que eu não ouvia há muito tempo: música. Meu coração se acelerava para entrar no ritmo da agitada melodia. Todos aceleraram o passo, ansiosos por abrigo, comida de verdade, e água quente. Todos menos Aisha. Tinha algo em seu olhar que eu não conseguia identificar. Eu jurava que conseguia ver as emoções brigando dentro de seus olhos escuros. Antes de dizer qualquer coisa, eu oscilei por um momento ao ver Oliver ao lado dela.

— Tudo bem, Aisha? — ele perguntou com uma mão no ombro dela.

Ela inspirou, mas nenhum ar saiu depois.

— Eu morava naquele vilarejo. — Seu corpo foi tomado por um tremor afligente. Todos pararam de andar, confusos, agora olhando para Aisha que não ousava dar um passo. — Se meu pai estiver lá, não posso ficar. Ele vai me matar.

— Ninguém vai te matar, Aisha — eu afirmei, uma promessa cega.

— Não vamos deixar ninguém chegar perto de você — Oliver também prometeu.

— Nem precisamos parar lá se você não quiser — Auryn falou, indo até a amiga e segurando sua mão.

Aisha pareceu finalmente soltar a respiração quando disse:

— Obrigada. Eu... eu quero ir. Quero ver se ele continua vivo, na verdade.

Todos assentimos e continuamos a andar, dessa vez mais alerta. Eu não sabia porque raios o pai dela iria querer matá-la, mas infelizmente eu entendia a situação e não iria me intrometer, apenas protegê-la se houvesse a necessidade.

Eu encarei Oliver, sua postura rígida e atenta, e quase sorri. Mal parecia o homem que se recusava a trocar uma palavra com Octavia e Liam. Quer dizer, sua postura continuava a mesma, mas os motivos eram completamente diferentes.

Quanto mais chegávamos perto, mais alto a música ficava, mais perceptível ficava a alegria que pairava no ar e mais incomum o vilarejo era. Depois de ver tanta destruição, era estranho ver tanta alegria. As pessoas andavam de um lado para o outro com pressa, falavam alto sem medo de caçadores as escutarem. Quanto mais risadas, mas imbatíveis aquele povo parecia. As casas e ruas estavam enfeitadas com os mais diversos tipos de flores e fitas, muitas fitas, que estavam penduradas por todos os lados.

— O que é isso? — perguntei o mais baixo que consegui, considerando o barulho.

Oliver me encarou por um segundo e depois baixou o olhar.

— É um casamento.

Eu observei o vilarejo mais um pouco. Tinha um altar em frente dos lindos campos que se estendiam pelo horizonte e mesas distribuídas por todos os lugares. Nós andávamos entre as pessoas agitadas, que por incrível que pareça, nem olhavam para nós. Aquilo era um casamento, pessoas de fora provavelmente vieram para a cerimônia, e eles deviam achar que éramos convidados. Mas cuidado não ia fazer mal a eles.

Por alguns minutos passamos despercebidos, mas eu vi o olhar de uma senhora disparar para Aisha, perfurando qualquer coisa ou qualquer um em sua frente. Ela se aproximou com passos incomumente rápidos para alguém de sua idade, e eu e Oliver fechamos o caminho. Éramos uma barreira de pedras e espinhos que separava ela do resto do grupo. Convivendo com humanos por tanto tempo, eu sempre simpatizei com a delicadeza que deveríamos tratar os senhores, mas com Elementais a história era outra. Eu nem consegui imaginar a idade daquela mulher, quanto mais sua força.

Coroa de CinzasWhere stories live. Discover now