Coroa de Cinzas

Capítulo 3

Cheguei no acampamento pela manhã. Mathias me lançava aqueles seus olhares de reprovação, mas apenas o ignorei, entrando na carruagem. Parte de mim queria que eu não tivesse feito o que fiz. A incerteza formava um bolo em minha garganta que ficava maior a cada passo mais perto de casa. Ninguém dividia a carruagem comigo, expulsei todos, principalmente Mathias, que costumam me acompanhar, e nem dei uma justificativa. Princesas não precisam se justificar, a não ser para o rei, era o que Lucinda, a mulher que não me deixava esquecer seu posto de mera serviçal, dizia. Agora sozinha, me permiti tamborilar os dedos em minhas pernas, balançar os pés para cima e para baixo até cansar. O que não demorou muito, pois eu estava cansada. Um dia de descanso não era nem perto do suficiente, mas meu pai não se importava. É claro que teríamos um baile hoje para comemorar minha vitória. Se ele não soubesse... Se meu segredo não tiver espalhado, teremos um baile.

Não deixe que ninguém descubra, esconda nem que seja a última coisa que você faça.

A voz familiar ecoou em minha mente. Minha mão foi para onde antes ficava o colar. O peso familiar foi embora, e eu odiava sentir falta do pequeno escudo. Não era como se ela, de todas as pessoas, me protegeria. Afastei a voz de Sabrina como afastei todos em minha vida por causa daquela mulher. Era difícil esconder a magia, muito conectada com as minhas emoções, e estas muito instáveis. Tomei o caminho racional, mesmo que muito pequena, quando o fiz. Não conseguia controlar minhas emoções, então simplesmente parei de sentir. Me afastei de tudo e de todos. Meu pai não ligou. Meus dois irmãos mais novos primeiro acharam que eu estava brincando, depois se magoaram, e depois fingiram que eu não existia. Os trigêmeos bebês nunca sentiram minha falta, pois nunca se lembraram dos tempos em que fiz parte da vida deles. Hoje estávamos todos crescidos, todos fizeram seus caminhos e eu não deixei nenhuma pegada em nenhum deles. O nosso caminho se encontrava em um certo ponto, entretanto. Nosso pai preferiu forjar armas invés de criar filhos. No final do dia, o que nos ligava não era o nosso sangue, mas o que pingava de nossas mãos.

A luta sempre me deu um certo controle, não o tipo que eu procurava, mas bastava para satisfazer meu pai e sua sede de sangue. Viva ao Rei Gregory. É claro que nunca treinei com meus irmãos, os via praticando do outro lado do campo, e tudo que eu queria era socar o treinador. Mais e mais forte. Mais forte ainda por saber que a culpa era completamente minha.

A carruagem parou e meus pensamentos viraram poeira levada pelo vento.

Mais demorada que o necessário, saí da carruagem com o vestido prateado arrastando atrás de mim. Meus cabelos castanhos estavam trançados e desciam por meus ombros, balançando a cada passo fingidamente confiante que eu dava para a sala do trono. Os encontros do salto com a pedra ecoavam pelo palácio, o barulho do salão sufocado pelas enormes paredes beges. Nada fora do comum até agora.

Portas pesadas de carvalho rangeram até a luz dourada do salão invadiu meus olhos. Eu entrei, piscando levemente e focando em meu pai e mais ninguém. Eu já conhecia o salão o suficiente para saber onde ficavam as grandes mesas de madeira escura, rodeadas de rosas e margaridas. Sabia também a localização de cada pilastra com raízes abraçadas do piso até o teto. Ouro estava em todos os detalhes, até mesmo no chão e brilhavam na luz de rica do pôr do sol. Uma pequena reverência para o rei e meus olhos foram para os degraus que nos separavam. Eu, como filha, poderia olhar em seus olhos, mas, naquele momento, tinha medo do que ia ver neles. Ou do que ele ia ver nos meus. O Rei Gregory limpou a garganta e todos que ainda não tinham se calado, agora se silenciaram.

— Você não desaponta, minha filha.

O suspiro que eu guardava desde o acampamento escapou, e uma onda de alívio fez meus joelhos tremerem. Meus olhos encontraram os verdes dele, iguaizinhos aos meus, quando eu soube que o medo se foi, fechando a porta atrás dele. Gregory continuou: