Capítulo 49

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 Meus pés iam para trás e para frente, sem nenhum lugar para apoiar, debochando da grama que os encarava metros abaixo da sacada. Depois de deixar Oliver na floresta, eu apenas escolhi um quarto aleatório e me fechei lá. Sentada na grade da sacada, eu observava o lago bem em frente a casa de Oliver, que brilhava sobre a luz como se tivessem pepitas de ouro espalhadas por suas águas. Eu tentava entender tudo o que foi dito horas atrás com Oliver, mas tudo me fazia sentir estúpida, ou confusa, ou brava. Os Deuses não podiam simplesmente escolher quem eu deveria amar. E sim, Eles não me forçavam a amar ninguém, mas a atração que senti pelo Oliver desde a primeira vez que eu o vi não era algo leve. Não era um empurrãozinho em direção ao espião. Era mais um chute na coluna e depois na costela. Era... Ficar remoendo tudo o que aconteceu só me levava para meu centésimo suspiro. Afinal, dor de cabeça é a única coisa que essa história iria trazer para mim.

Uma pedra pequena e gelada se formou em minha mão, só para eu a atirar no lago logo em seguida. Mesmo na distância, escutei o ploft quando ela perfurou a água um pouco antes de um borrão aparecer ao meu lado e meu coração parar. Tive que fechar a grade preta embaixo de mim em um punho para não despencar na grama fofa lá de baixo. Era claro que o borrão era Liam. Eu não achava que um dia iria me acostumar com esse seu poder idiota.

— É sério, Liam. Um dia você vai me matar, seu canalha.

Liam riu baixinho enquanto se ajeitava na grade ao meu lado e eu escutei alguém entrando no quarto atrás de nós. O leve brilho dourado que vi de relance indicava que era Auryn, que simplesmente se reclinou na grade no meu lado esquerdo.

— Como você está? — Liam me cutucou com seu ombro.

Mais um suspiro me escapou.

— Eu não sei. Estou sentindo muitas coisas ao mesmo tempo, não sei discernir cada uma.

— Você vai falar com Oliver de novo? — Auryn me perguntou, seus olhos castanhos refletindo a paisagem.

— Eventualmente. Eu não sei. Parte de mim acha absurdo alguém guardar um segredo tão grande de outra pessoa. Ao mesmo tempo, eu não acho que teria falado para ele. Se eu soubesse e ele não, eu acho que eu não teria falado para ele. Eu e o Oliver não deveríamos nem gostar um do outro, imagina amar.

— Eu não deveria gostar de você, mas ainda gosto bastante. — Liam deu de ombros.

Aquilo conseguia apertar meu coração e esquentar ao mesmo tempo, mas eu decidi focar na parte do aquecer.

— Olha, Calynn. — Auryn colocou a mão no meu ombro, me fazendo virar para ela. — Você tem todo o direito de estar brava com Oliver. Eu teria feito bem pior se alguém fizesse isso comigo. Mas se o que impede você de ficar com ele é o que você deveria ou não fazer, esqueça. Eu tentei me preparar para esse mundo de todos os jeitos possíveis. E... — Os olhos de Auryn começaram a brilhar com a camada fina de lágrimas que os cobria. — Não demorou muito para perceber que o mundo não tem um manual, não tem um livro para eu estudar. Tudo que achei que deveria ser de um jeito foi completamente diferente. A Guerreira de Keamanan não é um monstro, é, na verdade, uma das pessoas mais gentis e acolhedoras que eu já conheci. E a rainha Aurora, que deveria me proteger, foi, na verdade, responsável pelo que me prendeu por quase toda a minha vida. Achei que deveria escolher um lado na guerra, mas agora escolhi andar com pessoas que não se encaixam com nenhum dos dois. A única coisa que devemos fazer é ser fiel a quem somos no presente. Depois de todos os nossos planos irem para o lixo, é só isso que sobra.

Minha cabeça caiu e eu deixei meu cabelo me cobrir dos olhares que me cercavam. Ela estava certa. Apesar de tudo, Oliver e eu nunca saímos das caixinhas do nosso passado. Ele era Elemental e meu inimigo, e mesmo depois de tudo, a definição dele nunca mudou para mim. Nenhum dos dois conseguiu deixar o passado para trás e eu tinha a impressão que esse sempre foi meu maior problema. Levantando novamente e me permitindo ver os dois amigos ao meu lado, algo em mim quase estourou de alegria. Era tão bom ter alguém com quem contar. Pessoas que me ajudassem a afastar a névoa que borrava meus pensamentos.

Coroa de CinzasWhere stories live. Discover now