Capítulo 48

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Eu escutei o rangido agudo da porta abrindo que mais parecia um cachorro chorando, mas estava distante demais para eu ligar. Naquele momento, para ser sincera, eu não ligava para nada. Estava confortável demais, mais do que quando eu dormia em uma cama feita especialmente para a realeza. Para a Herdeira de Keamanan. Eu mal mexia, meu rosto que estava tão aninhado e quentinho que eu preferia permanecer imóvel, para nunca mais perder aquela sensação. E o cheiro. Como eu amava aquele cheiro. Eu amava o cheiro da chuva, amava o cheiro de carvalho. Eu amava o cheiro do...

A estabilidade quebrou quando a superfície fofa como uma nuvem que eu me deitava começou a afundar. Algo se aproximava e meu sono discutia com meus instintos se eu deveria ou não abrir meus olhos.

— Bom dia, lindinhos — eu escutei a voz estrangulada de... Auryn? Por que ela estava tão perto?

Quando algo grande esmagou minha perna inteira, eu decidi abrir os olhos. Minha cabeça tentava absorver tudo na minha frente. Eu estava abraçada com Oliver, um nível de proximidade que nenhum dos dois jamais permitiu, onde até nossas pernas entrelaçaram e quase formavam um nó. Em cima de nós, estava Auryn com um sorriso inocente que ia de orelha a orelha, ela piscava com a inocência de uma criança, uma falsa inocência obviamente. Na porta, Liam encostava na madeira olhando para baixo e segurando claramente a risada, acompanhado por Octavia e Aisha que colocaram as cabeças curiosas.

— Que aposta você perdeu? — resmunguei para Auryn, evitando a luz do sol que invadia o quarto

Oliver apenas grunhiu um barulho que não formou uma palavra sequer, mas mesmo assim parecia dizer "me deixem dormir".

— Como sabe que perdi uma aposta? — Auryn franziu as sobrancelhas.

— Suponho que você não acorde as pessoas assim — murmurei, finalmente me adaptando à luz do sol e olhando para ela. — E já estou começando a entender qual é a de vocês.

Olhei para o Elemental na porta que fingia tanta inocência quanto ela e de relance jurei ter visto Auryn corar. Foi quando Oliver abriu finalmente os olhos que percebi a posição comprometedora que nós estávamos. Era estranho o quão drasticamente minha vida mudou. Se eu ainda estivesse no castelo e alguém me visse assim, eu estaria casando em uma semana no mínimo, mas aqui... ninguém além de mim ligava. Ou talvez Oliver também. Eles nos viam assim e ainda faziam piada. Eu não sabia o quão bom era ser livre. O quão bom era poder errar ou experimentar e saber que o máximo que ia acontecer era ter que escutar algumas — muitas — piadas. Mesmo assim, eu me afastei por impulso, só que dessa vez Oliver não me soltou. Seus braços se tencionaram minimamente para me manter no lugar e depois relaxaram novamente.

— Como você está, Calynn? — Auryn perguntou, mas ela estava séria agora. — Viemos checar ontem a noite, mas já estava dormindo.

Eu me dei cinco segundos para analisar minha situação e cheguei a conclusão que estava ótima. Minha cabeça latejava quase imperceptivelmente e as costas, por mais que eu levasse uma pontada a cada respiração, não me deixavam indisposta de nenhum jeito.

— Estou bem, obrigada — Eu sorri levemente.

— Que bom — Auryn falou e eu vi que ela falava com sinceridade.

Auryn parecia usar uma máscara constantemente e, às vezes, quando queria, parecia tirar a máscara por meros segundos e mostrar o que realmente sentia. Ela fez isso agora mesmo, mas em um segundos aquela máscara de sarcasmo e arrogância estava de volta.

— Ótimo! — A menina de cabelos brilhantes falou. — Pois estamos morrendo de fome e como ninguém topou roubar o dinheiro em cima do balcão da cozinha, nós tivemos que vir aqui pedir permissão para o dono da casa para comprar comida.

Coroa de CinzasWhere stories live. Discover now