Capítulo 28

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Meus olhos abriram ao ouvir pela milésima vez o som de metal batendo. O que me despertava não eram mais os sinos do castelo, mas sim as panelas de Oliver, os dois tão irritantes como o coral do vilarejo aqui perto. Me levantei, ou melhor, deixei meu corpo escorregar para fora da cama como um gato preguiçoso, e fui cambaleando até a porta. Minha mão encostou no ferro áspero da maçaneta, e por mais que meu coração tenha parado por um segundo, não podia dizer que era surpreendente tê-la saindo na minha mão. Oliver se virou naquela naturalidade de sempre, como um tigre completamente consciente de seu arredor.

— Acho que isso é um sinal para irmos logo. — Balancei a maçaneta em minha mão como se fosse um pequeno sino.

— Sim, é hora de irmos. Preparada para dizer adeus à cabana?

— Por que eu não estaria? — Fui até a mesa e me sentei, sentindo o cheiro dos ovos que já faziam minha boca salivar.

— Eu não sei, ficou tanto tempo aqui. Achei que talvez tivesse se apegado um pouco.

Eu quase morri naquele lugar, e depois tive que aguentar o cara mais insuportável desse mundo cuidando de mim. Eu não tinha muito espaço para apego.

— Não vai ser difícil partir — afirmei, brincando com os talheres.

— Se você diz... — Ele deu de ombros. — Ah, peguei isso para você.

Oliver foi até uma bolsa gasta e furada como o tapete da cabana, algo que não parecia ser de Oliver para ser sincera. Não consegui ver o que ele tirou, só senti o tecido liso como papel quando atingiu o meu peito. Eram roupas, e não qualquer roupa: era meu uniforme de treinamento do castelo, o que consistia em uma calça preta com uma camisa branca até os cotovelos. Ambas eram elásticas o suficiente para eu poder dar piruetas sem restrições, e justas na medida certa para meus pés não enroscarem no tecido na hora de lutar. Eu amava aquelas roupas.

— Como conseguiu isso? — perguntei, sem tirar meus olhos das peças. Meus dedos roçando no tecido macio como nuvens de verão.

— Roubei do castelo antes deles... Bom, antes deles tocarem fogo em todas as suas roupas.

Oliver voltou para a cozinha e eu não tirei meu olhar dos tecidos. Claro que jogaram fogo, era o que sabiam fazer melhor. O espião não entrou em detalhes, mas eu entendi. Meu pai deve ter feito uma fogueira com meus pertences, queimado como queimavam bruxas.

Como queimavam Elementais.

— Não acredito que você tinha calças para mim esse tempo todo e me deixou usando vestidos — resmunguei.

— Eu estava ocupado antes. Só consegui ir para casa ontem a noite, busquei algumas coisas para a viagem e lembrei que tinha isso.

— Como é a sua casa? — Foi a pergunta que saiu de minha boca, mesmo sendo um pensamento que deveria ser guardado no baú que minha cabeça supostamente tinha que ser. Eu não entendia o porquê esse baú se abria para ele.

— Bom, Calynn, depende da estação. Nós Elementais moramos em flores no verão e na primavera, e em ninhos de pássaros no inverno e outono.

Está vendo? É por isso que esse baú deveria ser guardado à quarenta chaves. Depois de uma revirada de olhos nada sutil, encarei Oliver esperando que a raiva que queimava minha pele fosse transferida pelo meu olhar até as costas do guerreiro.

— Eu sei que Elementais têm casas normais, só é estranho saber que você tem uma vida fora daqui. O que me leva a pergunta de novo, como é sua casa? Imagino uma caverna escura com móveis feitos de gelo, e uma cozinha com vários quadrados demarcando o local de cada tempero — falei, fingindo pensar o mais seriamente possível sobre o assunto. — Sua cama é feita de gelo? Isso explicaria porque você é tão ranzinza.

Coroa de CinzasWhere stories live. Discover now