Capítulo 5

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Cuspi o sangue no chão, tentando me livrar do gosto. Bloqueei o ataque que se aproximava com meus braços ao me virar e, quando vi o espaço aberto para mim, segurei o braço do soldado e o imobilizei. Não satisfeita, meu braço enroscou no pescoço do homem até ele se render com três toques no chão. Berros e risadas se espalharam pelo gramado. Minha boca formou um sorriso selvagem, enquanto eu me levantava esperando o próximo da fila.

Os guardas ficavam ao redor no gramado verde, onde a vida crescia e exalava pureza e perfeição feita especialmente para os olhos reais. Onde eu pisava, entretanto, não tinha espaço para vida. Dentro do círculo, a grama não crescia, cansada da agressão que acabava sofrendo e nos deixando com o solo pedregoso, seco, e morto. Alguns dos homens e mulheres descansavam, outros treinavam, e outros assistiam às minhas lutas. Eles pareciam gostar da minha presença, então eu ficava lá, simples assim. Às vezes eu chegava a participar do ritual de passagem deles, quem conseguisse ganhar de mim, ou chegar perto, era oficialmente um soldado. Talvez eles gostassem de mim, ou talvez simplesmente gostassem da Princesa Calynn treinando com eles, mas eu tinha minha vantagem. Cada adversário era um desafio novo, trazia estratégias novas, perspectivas diferentes de um mesmo golpe.

Senti os olhos se concentrarem em mim, trazendo de volta aquela sensação agonizante. Porém, dessa vez, eu sabia quem era. Mathias. Por mais que eu quisesse agradecer por não ser aqueles pares de olhos desconhecidos, como no dia do baile, ocasionalmente ainda sentia aquela sensação, e tentava ignorar os arrepios trazidos com ela. Eu não conseguia fazer nada a respeito, principalmente agora que guardas me seguiam para onde quer que eu fosse. Meu pai relembrava a maldita história sempre que conseguia, e aqueles olhos constantes sobre mim eram um problema muito maior do que qualquer um poderia saber. E Mathias ficava em seu posto, sua armadura refletindo o sol em seu pico, as costas mais retas que as próprias paredes do castelo, e olhar mais afiado que minha espada Raio-de-Sol.

Também estava irritada com outras coisas, como o meu corpo, cujo controle que eu tinha parecia ter ficado no passado com a batalha, e o jeito que tratei minha irmã. Eu olhava para ela, implorando para as palavras saírem, para pedir desculpas pelo jeito que falei com ela, pedir desculpas pelo jeito que a cortei... de tudo. Mas, no final, eu sempre via seus saltos estapeando o chão para a direção oposta e fechava minha boca. Agora, o Dia de Alba ficava cada vez mais perto, e nenhuma palavra foi compartilhada.

O olhar de Mathias me deixava desconcertada. Nós não nos falávamos desde o acampamento, ele apenas me seguia para lá e pra cá. Eu não disse nada, não porque não quis, mas por medo. Meus poderes estavam instáveis, por mais que eu só tivesse usado algumas vezes, conseguia sentir. Então fiz o que fiz com todos, o isolei. Mas luta era algo que ajudava o meu controle, e por mais que eu ainda estivesse brava, também estava sozinha.

— Mathias, venha lutar comigo — pedi com um aceno.

— Estou trabalhando, Vossa Alteza. — Seus olhos se desviaram dos meus e eu tentei não pensar na pequena pontada que surgiu em meu peito.

Ele nunca usou essa desculpa, nunca negou uma luta comigo.

— Eu te libero do seu trabalho. — Eu o estudei, meu olhar ficando mais intenso com o silêncio que parecia sugar as vozes do resto dos soldados.

Seus olhos pareciam travar uma batalha interna até que ele finalmente disse:

— Tudo bem — suspirando, Mathias lançou um sorrisinho.

Seus passos impacientes não condiziam com o sorriso em seu rosto. Os dois entraram em posição e quando um dos soldados terminou a contagem, eu ataquei. Em um segundo acertei o rosto de Mathias em cheio. Dei um tempo para ele se recuperar, sabendo que podia acabar a luta em três segundos. Mathias estava distraído, e por mais que ele tirasse vantagem disso quando eu não estava no meu melhor dia, deixei ele respirar. Quando ele voltou para atacar, desviei facilmente de seu soco. Estava devagar e espaçado, o acertei várias vezes no abdômen, terminando com um gancho no queixo. Meus ossos rangiram junto com o grunhido de Mathias. A mão do soldado voou para o rosto, a pele agora rosa parecia pulsar. Parando para respirar algumas vezes de novo, Mathias veio para cima de mim com um rugido. Previsível. Apenas virei meu corpo um pouco e coloquei meu pé, fazendo-o tropeçar e escorregar o torso no chão nada confortável, como se fosse feito de gelo. Poeira se levantou no ar e eu tive que piscar algumas vezes para ver o soldado espatifado.

Coroa de CinzasWhere stories live. Discover now