Capítulo 23

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Acordei e Oliver não estava no quarto. Escutei panelas remexendo do outro lado da porta enquanto minha cabeça tentava despertar e conectar os pontinhos. Eu já havia tomado o caldo hoje? Oliver me acordou e eu voltei a dormir? Eu nunca acordava sozinha. Meus braços tremiam enquanto eu tentava me levantar, mas consegui, e sem fôlego fiquei apoiada em meu travesseiro.

Por Kiara, eu odiava isso.

Escutei passos vindo na direção do quarto até que Oliver abriu a porta. Ele paralisou por um segundo, seus olhos me analisando, mas logo veio para meu lado.

Dessa vez o cheiro do caldo não estava insuportável, então tomei sem resistir, tentando mostrá-lo que seria muito mais fácil se fosse sempre assim. Engoli o líquido várias vezes em um silêncio constrangedor, mas Oliver parecia impaciente. Ele se remexia na cadeira e me encarava até meus olhos encontrarem os dele. Era estranho, mas eu me sentia contaminada por seus sentimentos, eu sentia em minha própria pele sua inquietação.

— O que foi? — perguntei com a mesma impaciência.

Ele suspirou, algo que ele fazia muito, e depois me encarou.

— Que imagens você viu? No dia que descobriu meu nome, eram imagens ou memórias?

— Por que está tão preocupado com isso? — indaguei.

— Só me responda. — Ele se afundou na cadeira.

— Não, agora quero saber.

— Me responda, e eu falo com você até dormir depois das refeições.

Aquilo captou minha atenção. Analisei Oliver para ver se seu acordo seria realmente cumprido. Eu não confiava nele nem um pouco. Ele podia muito bem pegar suas informações e nunca mais falar comigo. Mas também não queria soar desesperada. Não queria que transparecesse o quanto eu odiava aquele silêncio.

— E me contar porque está preocupado — acrescentei.

— Não.

— E deixar a porta aberta quando sair do quarto.

Seu olhar me percorreu, como se aquele fosse um pedido muito inusitado, e talvez fosse, mas ele apenas respondeu:

— Tudo bem. Falo com você e deixo a porta aberta. Agora responda minhas perguntas.

Pelos Deuses, o quão ruim estava a minha vida para chegar nesse tipo de negociação. Tentando me conformar com a minha situação, eu respondi:

— Não eram memórias, apenas imagens. Vi flores, vi olhos. Seus olhos e os meus. Livros apareceram e comida também, alguém cozinhava. Eu podia sentir o cheiro. Também escutei música e vi um reflexo de um cavalo. Foram coisas aleatórias e não foi nessa ordem também.

— Mais alguma coisa?

— Eu... — Busquei em minha memória e lembrei de uma última coisa. — Tinha uma bola de luz, como o Sol, mas menor. E ela foi lentamente congelada.

— Só isso? Foram só essas coisas?

— Sim.

— Tem certeza que não eram memórias?

— Absoluta — afirmei impaciente novamente.

— Você sentiu alguma coisa com aquelas imagens? — Ele se aproximou, com o corpo na beira da cadeira.

— Sim — eu disse, lembrando da sensação. Como eu queria sentir aquilo de novo — Me senti viva, de um jeito que eu nunca senti antes.

Oliver se recostou na cadeira, pensante.

Coroa de CinzasWhere stories live. Discover now