Capítulo 12

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Um dia atrás eu assistia meu irmão partir. Não queria ver o rosto de nenhum dos trigêmeos, então assisti da janela do banheiro, lá eu tinha a visão do homem em cima do cavalo. Olhei até ele virar um pontinho, e depois desaparecer. Eram mais ou menos três dias para chegar nas montanhas do norte. Em um pouco mais de uma semana ele estaria de volta. E eu não estaria aqui para recebê-lo. Ainda tentava entender os novos protocolos de segurança, onde os guardas que eu poderia pagar estariam. Levaria um tempo para planejar, mas em uma semana eu com certeza já estaria fora. Por bem ou por mal. Até lá, a preocupação preenchia a minha mente. Quando tinha tempo, é claro. Meu pai encheu meus dias de tarefas, que eram uma boa distração. Em meio aos papéis, o pânico parecia se perder por uma hora ou duas. Estava cheia de projetos para aprovar e criar, meus últimos trabalhos como princesa. Meu estômago embrulhava com o pensamento, e eu odiava a minúscula parte de mim que... Bem, a parte que não odiava totalmente a ideia.

Lucinda me tirou de meus devaneios e me auxiliou a me preparar para o jantar. Neste a presença de todos era obrigatória, um dos cortesãos faria aniversário amanhã e por algum motivos tínhamos que jantar juntos hoje. Como se o dia de amanhã inteiro não fosse reservado para a celebração. 

Meu vestido dourado de um ombro só se arrastava pelos degraus da escada espiralada, com a saia leve e fina. A minha adaga de sempre estava presa a minha perna e pesava na lateral. Ao chegar no salão, sentei a uma certa distância do meu pai. Ele gostava de conversar no jantar e todos sabem que eu não sou conhecida por minhas palavras. Era uma distância boa para que, de vez em quando, ele me pedisse a opinião em certo assunto e depois me deixasse comer em paz. Às vezes eu participava de uma conversa ou outra, mas era sempre breve e eu nunca abria espaço para algo maior. Agora, Duncan que sentava na minha diagonal falava sobre uma menina no campo que foi descoberta com poderes. A mãe e a criança foram mortas.

— E o pai? — pensei alto e me arrependi, agora mais que nunca eu não podia cometer outro erro.

— O pai alegou que não fazia ideia do que elas eram, disse que se soubesse teria ele mesmo as matado.

Meu rosto foi tomado de nojo, pelo jeito que me olhavam, não consegui esconder. É que parecia tão... pessoal.

— Algum problema, Calynn? Até parece que você não é a pessoa que mais matou Elementais da mesa. Ou até de toda Keamanan — Luca me olhou confuso.

— Não é isso — menti. — A mulher admitiu ter poderes?

— Não, claro que não.

— Por que só acreditaram no homem, então?

— Alguém tinha que ser o culpado — Duncan disse pensativo. — Sabe como as coisas são no interior, se fosse aqui teria uma investigação maior. — Seu olhar queimava como um fogo de lareira, como se isso fosse suavizar o que aconteceu.

— Kiara nos ajude quando Princesa Calynn tomar a coroa — brincou o Senhor Kipling, um dos cortesãos de meu pai. — O que serão dos homens na mão dela?

Todos caíram na gargalhada e eu me forcei a sorrir. E tive vontade de responder, muita vontade. Dizer que se eu governasse não prejudicaria os homens propositalmente, só faria do meu reino algo mais justo. Se isso os prejudicasse, eles que se virassem. Mas deixei quieto, eu não seria rainha de um jeito ou de outro, e aquele assunto era desconfortável o suficiente. Só tinha que agradecer que mais de uma coisa me incomodava naquela história, considerando minha falta de habilidade em inventar justificativas na hora. A mesa ficou silenciosa, apenas o som dos talheres tinindo e os copos encontrando a mesa, até que Bernardo se virou para nosso pai.

— O que o senhor faria se um dos seus filhos tivesse poderes?

Meu coração parou. Tudo parou. Até o tempo. Meus dentes apertaram o metal do garfo e por um segundos achei que eles quebrariam. Recomponha-se, exigi. Recomponha-se ou eles descobrirão agora mesmo. Bernardo não olhava para mim, mas ele devia saber. Bernardo era esperto, mas ele nunca viu nada que me incriminasse, talvez aquele buraco, as flores. Eu faria qualquer coisa para ele não dizer logo ali. Olhei para o meu pai, minha cara desta vez estava fechada, séria, sem nenhum sentimento sequer.

Coroa de CinzasWhere stories live. Discover now