Capítulo 27

51 4 1
                                    

O Sol brilhava, e os passarinhos cantavam, e eu fazia o meu belo e maravilhoso n-a-d-a. Pela primeira vez eu brincava com luz, mas luz era algo que eu realmente não conseguia controlar. Ou ficava muito forte, ou muito fraca, eu ainda não conseguia chegar a um meio-termo. Cores flutuavam ao meu redor, tão fracas e, de repente, cegantes. Bufando, fechei a caixinha em mim que guardava esse poder. Sem meus poderes, eu não tinha nada para fazer além de olhar para o teto, o que instantaneamente me levava para um passado não muito bom.

Me levantei do sofá que agora eu ficava até Oliver chegar. Eu já andava bem, e diferentemente de antes, eu valorizava cada passo. Claro que não era nada perfeito, ainda tinha dores, e ainda cansava facilmente, mas já era uma boa melhora. Me levantei do sofá procurando apenas dar uma volta na casa, apenas para mostrar a mim mesma que eu conseguia.

A cozinha de Oliver estava impecável como sempre. Ele era bem organizado e surpreendentemente meticuloso naquele espaço, eu até evitava tocar nas coisas. Mas o que me chamou a atenção foi um espelho de mão apoiado sobre a lareira. Isso era novo. Meu olhar automaticamente se desviou de meu reflexo. Eu nunca me olhava no espelho. Mas dessa vez, meus olhos lentamente encontraram suas cópias. E eu me vi. E por um segundo não me reconheci. Ainda estava magra, muito magra. Meus braços já não eram mais palitos, meu rosto não tão marcado como deveria estar antes, mas mesmo assim... Meus dedos roçaram no caminho da minha cicatriz levemente. Da têmpora direita até o meio do queixo. Todos aqueles anos de segredos, e solidão, e silêncio. Tudo para chegar neste reflexo. Eu queria dizer que odiava, mas estava cansada de odiar. Queria me olhar e por uma vez na vida não me ver como minha mãe me via, ou como meu pai me via, ou meus irmãos, ou até mesmo Oliver.

Eu olhava para o espelho e me perguntava: o que eu vejo?

Eu via uma jovem cujo a beleza não conseguia mais esconder seu passado, sua verdade. Quebrada em todos os sentidos, mas que talvez, e apenas talvez, merecesse a felicidade que mais ninguém achava que ela merecia. Todos eles tinham suas opiniões, mesmo eu sendo a única pessoa que realmente me conhecia. Que sabia do meu passado, sobre minhas escolhas, e o que eu pensava ao fazer cada uma das coisas que fiz. Só eu sabia o que eu pensava quando estava sozinha, ou trabalhando no que eu acreditava. Só eu sabia o que eu gostava e o que eu odiava. Eu disse para Oliver que sabia o que eu merecia, mas eu já não tinha tanta certeza. Sabia apenas o que os outros pensavam de mim, e se eu isolasse cada uma dessas opiniões, o reflexo no espelho deixava de ser um monstro. Deixava de ser a pessoa que não merecia ver nada de belo. E só sobrava a Calynn.

Com passos determinados, eu marchei até a porta de casa. Era hora de sair, era hora de explorar meus poderes, era hora de fazer qualquer coisa que não me prendesse em mais uma gaiola. Ar fresco invadiu meus pulmões, e a brisa de verão beijou a minha pele. Desci os três degraus da madeira reclamona e, mesmo com toda a minha determinação, eu tinha que admitir que hesitei no primeiro passo para fora. Eu sempre hesitava no primeiro passo, pois sempre parecia que o solo ia ceder sobre mim. Nunca cedia, no entanto. Então dei o primeiro passo, e depois o segundo, depois o terceiro, quarto, quinto, sexto... Até eu não precisar mais contar. Até eu sair pela parte de trás da minha cerca viva, que já não estava tão amarela como antes, e ir para o campo que se escondia lá.

Eu corri até não conseguir, até meus pulmões queimarem e minhas pernas fraquejarem. Se olhasse para trás ainda conseguia ver a cerca viva de minha cabana, mas eu ainda estava consideravelmente distante. Meus poderes fluíam sobre minhas veias e queimava minhas mãos para escaparem. Tocando o chão, não pensei duas vezes até abrir a caixinha em mim. Lentamente, uma árvore foi crescendo e crescendo, até a sua sombra me cobrir, até a sombra cobrir tudo atrás de mim. Seus galhos estavam postos em lugares bons o suficiente para eu subir até o topo com facilidade. Mesmo assim, precisei usar um pouco do meu poder do ar para me ajudar em alguns impulsos, mas cheguei ao topo e o sol começava a se pôr. Recuperando o fôlego, me deitei sobre um dos galhos altos e apreciei a vista. Abri outra caixinha em mim, dessa vez, da água. Uma bolha se formou sobre minha mão. Era tão perfeita e tão linda que eu realmente não acreditava que eu a tinha criado.

Coroa de CinzasWo Geschichten leben. Entdecke jetzt