Capítulo 19

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Encarava o vazio. Bom, isso eu fazia todos os dias, mas dessa vez tinha que ser diferente. Não sabia quanto tempo havia se passado, mas tinha certeza que era melhor se levantar e fazer as coisas em um dia bom, pois se o próximo fosse ruim, eu nunca cumpriria meus deveres. A madeira não estava crescendo. As toras que eu antes fazia com tanta facilidade. E não acabava por aí. A tinta dos vestidos estava inegavelmente desbotada. As folhas que cercavam meu terreno estavam amarelas.

Esfreguei o rosto para ver se mudava alguma coisa. Se eu ao menos conseguisse me concentrar. Vasculhei dentro de mim pelas caixinhas, mas elas pareciam se esconder. Na verdade, pareciam estar desaparecendo. Toquei uma, mas mal consegui senti-la, não era fria como antes. Não era rígida nem resistente. Parecia ter uma fechadura quebrada, seu metal enferrujado, e segurá-la era como segurar uma pena. Percebi que o destino que havia escolhido estava mais próximo do que eu esperava. Não próximo o bastante para eu não poder fazer minhas entregas. Precisava que crescessem, e se não conseguisse agora, já não sabia mais quando conseguiria.

Sentei na grama e continuei encarando o nada. Precisava crescer. Voltei a procurar as caixas quebradas, e por mais que eu as abrisse, nada saia delas. Minha atenção foi fisgada por outra coisa. Algo pulsava, não dentro de mim, mas... onde eu encostava. No solo. Lá tinha energia, uma boa quantidade para eu usar. Me agarrei naquela pulsação e puxei para mim. Energia, em seu formato mais puro, eletrizou minhas veias. Por alguns segundos deixei a êxtase me engolir, eu deixei a minha cabeça viajar para um lugar onde tudo era tão forte que eu não tinha tempo de olhar para dentro. Logo raízes começaram a se formar como mãos saindo do chão, cresciam em lugares separados e iam se entrelaçando, ficavam no formato de toras e suas cores começavam a escurecer para um marrom escuro. Antes que eu pudesse continuar, a conexão quebrou. Era como se minhas veias tivessem esvaziadas e o peso dos céus caísse sobre meus ombros. Meu corpo cedeu, e a grama abraçou minhas costas. Minha respiração me levava diretamente para as lembranças do final de minhas batalhas. Pouco conseguia ser exaustivo demais. Ainda tinha as entregas, mas eu sabia que não ia aguentar.

Olhava para o céu, rezando para qualquer coisa que arrancasse o cansaço de mim, como eu arrancava grama do solo, quando algo me cutucou. Uma sensação esquisita e, ao mesmo tempo, familiar. Como se alguém me espiasse.

Não.

Eu não voltaria para esse caminho. Com tempo para me recompor, me levantei, olhei de relance para o ponto que antes era verde e agora era amarelo. Me permiti olhar para a barreira de folhas procurando algum par de olhos. Nada, é claro. Fiz o sinal obsceno que os guardas tanto faziam entre eles com o dedo, apenas por precaução. Então, voltei para o quarto. Amanhã eu entregaria tudo.

Quando cheguei na vila tomei várias broncas sobre pontualidade. Já havia se passado quase um mês e meio desde minha última entrega, e não muito desde minha última visita. Depois dos sermões eles apenas me encaravam. Seus olhares tinham... pena. Agora, sim, eu era patética. Oliver tinha razão. Todos logo se arrependiam de suas palavras, e me entregavam produtos a mais. Recusei todos, não estava merecendo nada daquilo, e parti.

Mal consegui abrir minha própria barreira de folhas amareladas, então deixei aberta. Não era nenhum gênio, mas sabia que as coisas só iriam piorar. 

Coroa de CinzasWhere stories live. Discover now