Capítulo 56

77 10 4
                                    

A grama se transformou em paralelepípedos beges e o cheiro de comida, sujeira, e especiarias me dominou. Mas não tinha som. As dezenas de pessoas que se encontravam na praça central de Amber nos encararam no mais puro silêncio. Elementais obviamente não costumavam se expor daquele jeito. Todos pareciam recuar lentamente, prontos para jatos de fogo, água, ar ou terra os acertarem no peito. Mas então os sussurros começaram a surgir, crescendo como um gigante que levantava.

    É ela, a princesa perdida.

    Olhe a cicatriz em seu rosto.

    Calynn está de volta.

    Ela veio tomar o trono.

    Ela veio se vingar.

    Ao meu lado, todos do grupo pareciam estar mais focados em evitar um ataque do que realmente alertar as pessoas.

    — Vocês precisam evacuar a cidade — minha voz ecoou, como se não houvesse mais de cem pessoas ouvindo. — A rainha está vindo e ela vai matar todos que estiverem em seu caminho. Vocês precisam fugir!

    Ninguém se moveu, por mais que os sussurros certamente aumentaram. Foi bem fácil localizar os quatro guardas com bestas na mão mirando em mim. Eram os únicos que andavam, por mais que bem devagar. Sem surpresa, flechas voaram em minha direção e eu apenas levantei uma mão para parar elas. Por algum motivo meu poder continuava naquele tom purpúreo, e a cor rodeava as flechas que ficaram paralisadas no ar.

    — Não temos tempo para isso — Oliver falou. — Se vocês querem ter uma chance de sobreviver, precisam evacuar a cidade agora!

    — Voltem para o lixo de onde vieram! — Um homem cuspiu na multidão.

    — Tudo bem, — rosnei, encarando cada um do meu grupo. — Vamos juntar eles aqui. Liam, leve-os para a floresta. Ou algum lugar onde tenha cobertura.

    Liam e o resto assentiram e eu abri algumas caixinhas em mim.

    Solidifiquei uma parede de ar atrás da multidão e comecei a os arrastar para o centro onde Liam estava. Gritos finalmente começaram a tomar conta do lugar. Liam começou a sumir e aparecer, levando pessoas com ele que não voltavam. Auryn se multiplicou em centenas e foi se espalhando pela cidade, sua voz ecoando nas ruas e forçando a evacuação. Eu levava as pessoas para onde Liam se encontrava, não importava como eu tinha que assustá-las. Fosse com raízes perseguindo elas, com jatos de água as empurrando, começando pequenos incêndios dentro das casas delas e logo apagando.

    Os guardas tentavam nos atrapalhar, mas eles travavam quando me viam. Eu conhecia boa parte deles. Cresci e treinei com boa parte deles. Eles não sabiam o que eu era na época, mas sempre tiveram uma boa ideia do meu coração. Então hesitavam. Até o momento que em uma rua apertada eles me cercaram.

    — Não podemos deixar você evacuar a cidade. — Anthony, um dos capitães da capital, seu tom ordeiro, mas tinha algo diferente ali. — Quando a princesa herdeira for localizada, deve ser levada para o castelo imediatamente. Essas são as ordens do rei.

    — Você nunca foi o melhor em seguir ordens, Anthony. — Eu sorri e aquilo pareceu quebrar algo nele.

    Ele sabia ao que eu me referia. A todas as vezes que ele me deu biscoitos depois do treinamento, escondendo de todos os outros soldados para não perder sua integridade. Ou quando ele fazia os soldados tropeçarem antes de me enfrentar. Anthony foi transferido do castelo há um tempo. E por mais que agora seu bigode não seja mais escuro como era, eu sabia que ele se lembrava muito bem de mim. Ninguém deu um passo para me deter e eu não achava que eles iriam. Guardas não simplesmente falavam suas ordens.

Coroa de CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora