Capítulo 20

275 35 28
                                    

Era madrugada, por volta das três, quando ele entrou no ringue de treinamento da Casa do Vento. Para a sua eterna surpresa, ele não estava vazio como esperava.

Socando furiosamente a viga de madeira no canto do ringue estava Gwyn. Ela usava o típico couro de treinamento illyriano, que lhe deixava extremamente bonita. Todas as curvas de seu corpo estavam marcadas e definidas, era possível ver até mesmo os músculos que ela flexionava e relaxava para cada golpe, músculos esses que ela passara horas a fio polindo cuidadosamente nos meses anteriores ao Rito de Sangue. O seu lindo cabelo vermelho acobreado estava preso em um rabo de cavalo, algumas mechas soltas bagunçando o penteado, sem qualquer sinal da fita branca que as valquírias usavam nos treinos ou ainda a pedra sacerdotal. Ele jamais a vira usando a joia azul, que ele tinha certeza que combinaria perfeitamente com a cor dos olhos dela.

Cada golpe desferido ecoava no ambiente e, apesar de não saber o motivo, Azriel conseguia sentir a irritação da ruiva emanando como ondas até ele. Conseguia sentir toda a frustração, luto e raiva que ecoavam a cada soco e chute poderosos. Era como se os sentimentos dela fluíssem livremente até eles, como se estivessem ligados e cada emoção dela se sentisse na obrigação de ir até ele para lhe contar como a ruiva estava se sentindo.

Com os passos silenciosos de um espião treinado, usando as sombras para ajudá-lo a ser discreto, ele se aproximou. Somente quando estava a dois metros de distância, abandonou seu disfarce.

— Achei que não estava treinando de jeito nenhum — disse encostando-se na parede, os braços se cruzando na frente do peito.

Ela se sobressaltou levemente e parou de socar, o punho ficando suspenso no ar em um golpe incompleto. Não se virou para ele, sua voz soando rouca e ofegante ao dizer:

— Não estou treinando com vocês — os ombros subiam e desciam a cada palavra, a prova de seu esforço.

Azriel não podia ver com total clareza, pois ela não estava virada em sua direção, mas conseguia imaginar a pele alva de Gwyn vermelha pelo esforço, conseguia até mesmo visualizar as gotículas de suor escorrendo por seu pescoço sardento. Só não entendia porque conseguia imaginar todas essas coisas.

— Isso não significa que parei de treinar completamente.

— Por que não treina conosco? — nada além de curiosidade genuína em seu tom e, talvez, um pouco de mágoa. Mas nenhum julgamento. Nunca.

Ele não se permitiria sentir pena de Gwyn, porque sabia como era ser alvo desse tipo de sentimento. Odiava a ideia de qualquer um ter pena dele, então evitava oferecer aquele tipo de coisa para outras pessoas. Talvez por isso ele fosse um torturador tão bom, porque não sentia empatia pelas pessoas que machucava. O fato de todos eles merecerem certamente ajudava, pois nunca foi obrigado a torturar alguém que não merecia.

Gwyn se virou para ele e se não houvesse tanto sofrimento naqueles lindos olhos azuis, Azriel teria perdido o fôlego completamente. Pela Mãe, deveria ser crime uma fêmea ser tão bonita quanto ela.

— Porque não consigo abandonar a sensação de que falhei com vocês — confessou em um sussurro, os olhos azuis encarando fixamente os avelã dele, procurando pelo julgamento ou reprovação. A voz dela estava levemente embargada, mas não havia qualquer sinal de lágrimas à vista.

— Bem, você não falhou comigo ou Cassian. Consigo entender porque pensa que falhou com Emerie e Nestha, no entanto — admitiu com um dar de ombros, como se concluísse que poderia chover nas próximas horas.

— Consegue? — a surpresa que brilhou nos olhos de Gwyn foi como uma estrela se acendendo na escuridão, espantando toda a tristeza anterior e trazendo vida para aqueles hipnotizantes olhos azuis.

Corte de Melodia e Luz Escarlate - ACOTAROnde histórias criam vida. Descubra agora