Capítulo 36

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Depois do almoço mais desconfortável da vida de Lucien — ele havia comparecido a muitos desse tipo, de modo que tinha bastante propriedade de fala —, Helion ordenou que um de seus criados levasse os visitantes até a biblioteca. O macho negro, que vestia roupas semelhantes às de seu Grão-Senhor, apesar de não tão refinadas, explicou que haviam levado todos os livros que tratavam sobre runas para aquele palácio. Assim, eles não teriam que se deslocar pela Diurna e poderiam concentrar seus esforços em um único local.

Eles estavam enfurnados na biblioteca fazia três horas, cada um com uma mesa individual e pilhas infinitas de livros para verificar. Gwyn havia transcrito as runas do mármore para três pergaminhos, que distribuiu entre eles para facilitar o trabalho. Azriel e Lucien estavam em cantos opostos, com a sacerdotisa ocupando a mesa no centro e os separando. Às vezes, alguém se levantava para buscar algum livro complementar ou para esticar as pernas, mas até agora não havia ocorrido nenhum atrito entre os dois machos, o que era certamente uma vitória.

— Encontraram alguma coisa? — perguntou Gwyn após vários minutos em silêncio, enquanto fazia exercícios de alongamento para as pernas.

Ela havia começado a se alongar havia quinze minutos e não parecia inclinada a parar. Estava com um livro na mão e sustentava uma espécie de agachamento de uma perna só, sem aparentar dificuldade.

— Já li sobre as runas de três cortes diferentes, mas não encontrei nada parecido com essas — resmungou Azriel, sem erguer a cabeça da sua leitura atual.

— Estou lendo um manuscrito sobre a história das runas em Prythian -— disse Lucien, franzindo o cenho para o agachamento que Gwyn mantinha. Será que ela sempre era inquieta?

Do outro lado do recinto, Azriel soltou um resmungo de desaprovação. Gwyn se virou no mesmo instante, achando que ele faria alguma observação sobre a sua postura. No entanto, os olhos avelã do illyriano sequer haviam deixado o livro que lia.

— Algum problema com a minha leitura, Encantador de Sombras? — questionou Lucien, também se recusando a desviar o olhar das páginas amareladas em suas mãos.

Os olhos de Gwyn iam de um macho para o outro, como os olhos atentos de um telespectador de tênis, que tenta a todo custo acompanhar cada lance.

— Como a história das runas em Prythian vai ajudar na nossa busca? — indagou Az, um pouco de rispidez na voz grave.

Gwyn revirou os olhos diante daquilo, mas escolheu não dizer nada para dissipar o clima desagradável que se instalou. Queria ver até onde eles iriam com ela presente para testemunhar sua criancice. Será que iriam se conter, ou esqueceriam de sua presença?

— Se conseguir entender a origem das runas e o modo como a escrita delas evoluiu, pode ser que ache alguma semelhança com as que encontrou. Algo que nos leve a entendê-las melhor — explicou Lucien, como se falasse com uma criança .

— Não precisamos entendê-las, só precisamos traduzi-las. Tudo que está fazendo é perder um tempo que nós não temos com algo que não precisamos saber.

Gwyn não sabia dizer o que lhe impressionava mais: a arrogância fria de Azriel ou a expressão impassível de Lucien. Enquanto o primeiro exalava aquela energia caótica, ainda que de modo não convencional, o segundo se mostrava imperturbado.

— Faça a sua pesquisa, Encantador de Sombras, e eu farei a minha — respondeu o ruivo com calma, a voz suave e moderada.

Aparentemente, Lucien gostava de passar a imagem de um macho sereno e com total controle sobre si mesmo. Ela se perguntou o que acontecia quando ele perdia a compostura. Afinal, era impossível que se mantivesse sempre sob rédeas tão curtas. Mais cedo ou mais tarde, o fogo que ardia em suas veias devia prevalecer.

Corte de Melodia e Luz Escarlate - ACOTARWhere stories live. Discover now