Capítulo 44

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A escada espiralada era infinita. Para quem já estava cansada após os treinos de magia e de combate, o desafio se tornava ainda maior. Gwyn nunca havia enfrentado tantos lances de escada antes, mas se aquele era o único caminho até os raros pégasos de Helion, então ela encararia cada degrau com alegria.

Pelo menos não estava sozinha. O anfitrião caminhava à sua frente, tagarelando sem parar sobre sua casa e os cavalos alados, inabalado pelas voltas intermináveis rumo ao estábulo. Azriel ia na retaguarda, pois apesar da escada não ser estreita, era impossível para os dois andar lado a lado, devido à envergadura de suas asas ocuparem boa parte do espaço.

— Não se chateiem caso eles se mostrem ariscos — alertou o Grão-Senhor, não demonstrando esforço algum com a subida infinita. — Os pégasos não costumam se dar bem com estranhos, pois são muito desconfiados e tímidos. Eu raramente levo pessoas para visitá-los, então isso também deve ter contribuído para que sua natureza reclusa tenha se... intensificado.

— Por que uma torre tão alta? — questionou a ruiva, falando devagar e compassadamente para evitar soar ofegante e cansada.

— Eles preferem viver nas alturas, perto do céu glorioso e do rugido do vento — explicou ele, sem se virar para os hóspedes. — A torre é grande o suficiente para que fiquem confortáveis e eles podem sair e entrar quando quiserem. Além disso, torna mais seguro e fácil de protegê-los, já que é mais difícil para pessoas más intencionadas acessarem.

— Não tem medo de que não voltem ou que se percam? — Azriel finalmente quebrou o silêncio em que se mantinha.

O encantador de sombras havia se mantido quieto até então, apenas monitorando a conversa dos dois. Gwyn não sabia dizer se aquele silêncio a incomodava ou não, mas a ideia tola dele de achar que precisava protegê-la a todo momento... Aquilo a irritava. Profundamente.

Tinha a impressão de que ele a via como uma fêmea frágil e delicada, que precisava ser guardada de tudo e todos. Como se fosse quebrar a qualquer momento, se partir ao menor descuido. Ela havia pedido que viesse na viagem, era verdade, mas ele nunca havia se comportado daquela forma tão territorial e protetora, tão... macho feérico. A presença dele deveria somente trazer segurança para ela, para que conseguisse agir normalmente e não se sentir desconfortável com Lucien, Helion e seus estudiosos, para que não se fechasse e se transformasse naquela versão trêmula e desconfiada de si. Ao que parecia, Az levava o trabalho dele muito a sério.

— Pégasos são criaturas inteligentes. Eles sabem o caminho de casa e nunca vão longe demais — finalmente pareciam ter chegado ao fim da escadaria, o que tirou Gwyn de seus devaneios e a trouxe de volta para o presente. Mais alguns lances e por fim alcançariam a porta para a área dos pégasos. — Durante a época de Amarantha, tive que restringir muito a área que podiam sobrevoar, mas eles foram compreensivos. Costumam ser criaturas dóceis e pacíficas, apesar de aversos a desconhecidos. No entanto não os subestimem — ergueu um dedo, para enfatizar o conselho —, eles são completamente capazes de se defender, caso achem necessário.

— Como você os conseguiu? Achei que estavam extintos — ela enxugou o suor acumulado na testa.

Pelo menos estava usando o couro de batalha ao invés de suas vestes de sacerdotisa, que estariam encharcadas de suor e imundas àquela altura do dia. Do contrário, seria ainda mais sofrido realizar aquela subida desafiadora. Ainda assim, uma parte dela se arrependia por não usar as vestes sagradas ali, como se estivesse de algum modo desonrando as sacerdotisas ao preferir o couro illyriano, como se esquecesse suas origens ao colocar as roupas habituais de lado.

Helion se virou para eles, franzindo o cenho para o desconforto evidente de Gwyn. Ela suava por todos os lados e fazia o possível para não ofegar. Às suas costas, Azriel mantinha a pose de guerreiro illyriano machão, que não se abalaria com alguns degraus insignificantes. Mesmo com todos aqueles degraus e o peso extra das asas, o encantador de sombras mal suava, como se subisse intermináveis lances de escada todos os dias.

Corte de Melodia e Luz Escarlate - ACOTARWhere stories live. Discover now