Capítulo 49

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A pergunta ecoava em sua mente, de novo e de novo, como um sino que badala sem parar.

“O que fiz para você? O que fiz para você? O que fiz para você?”

De imediato, nenhuma resposta veio a sua mente. Ele tinha se habituado de tal modo a toda aquela antipatia com Lucien, que simplesmente não conseguia se lembrar do porquê ela havia começado. Em que ponto, exatamente, Az tinha passado a odiar o filho caçula de Beron? E o mais importante, por quê?

— Azriel? — murmurou Gwyn, aproximando-se dele apenas alguns passos, hesitando a cada centímetro em que avançava.

A voz dela era um feixe de luz em meio às trevas de sua mente, guiando-o na direção certa. O mestre espião não entendia como, mas a ruiva tinha o poder de lhe acalmar e lhe guiar em direção à razão. Como se sem a sua ajuda, sem a sua presença alegre e as suas palavras racionais, Azriel não passasse de um brutamontes illyriano, criado e moldado para a violência a qual sua raça tanto amava.

Então, graças a Gwyn, a resposta veio à sua mente, clara como as águas de um lago escondido entre duas montanhas isoladas.

Nada. O parceiro de Elain nunca o tinha ferido ou ofendido diretamente, a não ser quando provocado e somente recentemente. Até então, tinha sido educado e polido e se mantido tão distante quanto conseguiu. Lucien não tinha feito nada para ele. Mas para outras pessoas, para aqueles que Azriel amava...

— Você não a defendeu — a acusação saiu antes mesmo que ele estivesse pronto para externalizá-la, a voz grave e cheia de rancor.

Ódio gélido corria pelas veias de Azriel ao lembrar de como Feyre tinha estado naqueles primeiros meses. Não só seu aspecto físico, que já era preocupante e deplorável por si só: magra demais e pálida como um cadáver, com olheiras profundas e os olhos vazios de qualquer emoção. Não, o que mais o tinha deixado preocupado era como ela estava traumatizada, assustada e desconfiada como um animal ferido e maltratado, incapaz de confiar em qualquer um que tentasse se aproximar e ajudar. Az não conseguia se esquecer de como parecia que tinham feito uma verdadeira lavagem cerebral nela, o modo em que Feyre se negava a aceitar completamente a liberdade irrestrita e o fato de que podia fazer e ser quem desejasse.

“Não acha que manda uma mensagem ruim se as pessoas me verem aprender a lutar... a manejar armas?”

As palavras dela, aquela indagação no jantar em que foram apresentados, ecoava em sua mente. O modo como a tinham feito crer que saber como lutar por si mesma, saber se defender, era uma coisa ruim e inútil. Aquilo fazia o sangue de Azriel correr mais rápido, exigindo que ele entrasse em movimento, que erguesse Reveladora da Verdade e lutasse, lutasse, lutasse.

Saber que Lucien tinha contribuído para aquilo, que tinha sido conivente com as loucuras territoriais de Tamlin e se isentado de dizer alguma coisa, de ensiná-la por conta própria... Essa noção colocou o illyriano em movimento, avançando lentamente até o filho de Beron, dando a ele tempo de erguer sua própria espada e entrar em posição de combate novamente.

Ao longe, sua visão periférica viu Gwyn disparar para fora do ringue de treinamento, abrindo as pesadas portas de madeira com esforço e correndo. Muito provavelmente atrás de alguém capaz de parar a luta, numa tentativa tola de impedir que Az e Lucien fossem longe demais. Que se matassem.

“Que seja.” pensou Az, “Quando ela voltar, já estará terminado. De um jeito ou de outro.”

— Você não defendeu Feyre de Tamlin — grunhiu Az, desferindo um corte vertical que teria partido o crânio de Lucien em dois.

O ruivo aparou o golpe, as lâminas se chocaram e retiniram com o impacto, mas Azriel não recuou. Ele trincou os dentes e deixou que o corpo colocasse todo o seu peso na espada curta do seu oponente, enquanto encarava o fundo dos olhos bicolores do emissário.

Corte de Melodia e Luz Escarlate - ACOTAROnde histórias criam vida. Descubra agora