Capítulo 32

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O vestido novo pinicava como o inferno. Se pudesse, tiraria ele ali mesmo, no meio do corredor. Havia uma época em que o pudor era algo com o qual se preocupava, mas parecia perder aquilo pouco a pouco, a cada segundo que passava em meio à devassidão e depravamento do covil de Koschei.

Aquele vestido era tão revelador quanto os outros: laranja vibrante, com pequenos diamantes no corpete apertado, que dava mais volume aos seus seios pequenos e os fazia quase saltar para fora, além de uma fenda frontal que revelava tudo, desde seus pés até suas coxas pálidas. Uma parte dela queria corar diante daquilo, do modo como se sentia completamente exposta, ainda que todas as partes essenciais permanecessem cobertas. No entanto... não conseguia se importar, não conseguia se sentir minimamente envergonhada ou preocupada com o modo como aquilo era impróprio. Em outra época, teria um colapso diante da mera ideia de ter que vestir aquilo. Ainda não havia decidido se a perda daqueles costumes era algo a se lamentar.

Naquele momento, porém, ela não conseguia sentir ou se importar com nada a não ser aquele puxão no laço. Aparentemente, todo o seu mundo estava girando ao redor daquilo. Alegria e luz e calor, tudo que havia se tornado apenas lembrança assim que foi sequestrada. Uma voz insistente e teimosa parecia cantarolar em seu coração cheio de medo, uma melodia que ela se negava a escutar desde que fora Feita:

“Lucien, Lucien, Lucien”, cantava teimosamente aquela voz irritante, não importava o quanto ela tentasse abafá-la.

Não havia percebido antes o quanto sentia falta do laço e de sua magia. Era como se estivesse permanentemente num inverno sem fim, escuro e assustador, congelando-a até os ossos. Ter a magia de volta, mesmo que por pouco tempo, foi como tomar um chocolate quente para espantar o frio. E o laço... foi como se o sol saísse detrás das nuvens e banhasse todo o seu corpo com aquele calor. Como se sentar diante de uma lareira aconchegante, após longas horas exposta ao frio cruel. Agora que o laço estava mudo de novo, ela se sentia mais fria e sozinha do que nunca.

Kaileen e Dinah a levaram até o salão do trono, parecendo mais apressadas que o normal. Àquela altura, Elain já havia memorizado o caminho e era capaz de fazê-lo até mesmo de olhos fechados. Quando por fim alcançaram as portas de puro freixo, Dinah se virou para ela.

— Escute bem, menina — chamou, os lindos olhos azuis hipnotizantes voltados para a Archeron. — Não importa o que aconteça hoje, você precisa dançar conforme a música — alertou, os olhos se dividindo entre monitorar o corredor e tentar enxergar alguma sombra pela fresta da porta.

Elain trocou o peso do corpo de uma perna para a outra, temendo o que Koschei havia guardado para aquele dia.

— Você sabe de alguma coisa? O que ele planeja? — as palavras jorraram para fora em uma torrente, deixando claro que o desespero já começava a se apossar dela.

Kaileen riu diante daquilo.

— Ninguém sabe o que o mestre planeja, vadia — estalou a língua. — Como se ele fosse dividir seus planos com qualquer uma de nós.

— Isso não deveria incomodá-la? Que seu amado mestre não confia nem um pouco em você? — Elain se virou para ela, adorando o modo como as palavras pareceram atingir algo profundo em Kaileen. — E mesmo assim — estalou a língua no céu da boca, imitando o gesto da loira — você age como um bom cãozinho, sedenta pela aprovação de seu senhor.

Agora, ela começava a entender o prazer secreto de Nestha em ferir as pessoas com palavras. Sua irmã havia se transformado em uma guerreira recentemente, mas sempre foi mestre em batalhar com a língua e os olhos cheios de desprezo evidente. Houve uma época em que Elain achava aquilo uma crueldade, mas por fim começava a entender que em algumas ocasiões, ser cruel era o que mantinha alguém intacto, ou ao menos com alguma dignidade.

Corte de Melodia e Luz Escarlate - ACOTARWhere stories live. Discover now