05| Injetar

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C A P Í T U L O  05

INJETAR

Olhei para ela pela milésima vez naquela manhã. O café esteve sempre calmo e então ela praticamente que ficou a manhã toda no balcão, com um lápis na mão a traçar alguma coisa que eu claramente não consegui ver do meu lugar. Por vezes ela olhava para mim, mas eu fingia estar concentrado noutra coisa qualquer.

Quando a vi naquela manhã alguma coisa me chamou a atenção nela. Não sei o que foi, mas algo me disse que já a tinha visto, que aquele rosto me era familiar. No entanto eu não me consegui lembrar de nada em concreto. Mas eu sabia que já a tinha visto, pelo menos o rosto dela em algum lugar. E não, não tinha sido sobre o dia na floresta, tinha sido antes, mas eu não me lembrava. Porém, eu não me podia dar ao luxo de investigar algo. Ela podia a qualquer momento lembrar-se de mim. A mulher que estava com ela quando estávamos na floresta pode comentar com ela e fazê-la acreditar que eu estava lá. E pelo que eu percebi naquele momento, ela não era o tipo de rapariga que fica com medo. Ela era daquelas que se atirava de cabeça e não queria saber quem estava do outro lado. E isso, de certa forma era interessante, mas nada que fosse suficiente para eu ter algum interesse por ela.

Olhei para o relógio na parede. Quase meio o dia e eu tinha ficado o dia todo sentado naquela cadeira. O meu telemóvel tinha ficado sem bateria e o meu pé estava magoado e cada vez doía mais. Apesar disso eu não quis ir embora. Podia apanhar um táxi, mas isso iria piorar a situação, uma vez que teria de ir embora, e mesmo que fosse para minha casa, iria ter o Matt a fazer-me uma espera, e se não fosse o Matt ia ser um dos seus idiotas e fieis homens, que apenas faziam o que ele queria por dinheiro.

Acabei por me levantar, caminhando até ao balcão. Quando lá cheguei ela fechou abrutamente o caderno, como se lá estivesse algo demasiado importante, algo que ninguém pudesse ver. Olhei para ela com as sobrancelhas franzidas. Ela olhou para mim com algum receio, como se eu tivesse visto alguma coisa. Acabei por encolher os ombros e depois tirei a carteira no casaco. Tirei uma nota da mesma e entreguei-lhe.

- Será que me podes explicar agora o que aconteceu hoje de manhã? - ela perguntou depois de ter feito uma pausa ao retirar o troco da máquina.

- Não. - estendi a mão para ela me dar o troco, mas isso não aconteceu.

- És sempre assim? - os olhos dela viajaram até aos meus. Azuis, frios, intensos e arrogantes.

- Assim como? - pousei um braço no balcão.

- Assim tão... - não diria dificuldade em encontrar palavras, mas sim tempo para não se baralhar nelas. - Misterioso e irritante?

- Sempre! - lancei-lhe um sorriso sarcástico e depois fiz sinal para ela me dar o troco.

- Vejo que já não se dão tão mal. - o John passou por nós e a frase dele deixou-me nervoso.

Olhei em volta, como se estivesse à procura de um lugar para me esconder. A frase do John deixou-me com o coração aos saltos, a adrenalina a correr pelo meu corpo. Quando eu olhei para a cara da Ava, ela estava confusa, os olhos semicerrados e as sobrancelhas erguidas.

- Yah, sim... - passei as mãos pelas pernas e depois cocei a cabeça. - Eu vou... indo. Sim, eu tenho de ir.

Saí do café. Ainda olhei uma vez para trás e através do vidro consegui vê-la novamente a olhar para baixo, talvez estivesse com o caderno e o lápis. Eu gostava de saber o que ela estava a fazer. Não que ela sorti-se algum efeito em mim. Era-me indiferente a presença dela. Se ela era bonita? Era. Se ela era jeitosa? Também. Mas, se fossemos por esses padrões, eu tinha a Savannah que me ocupava bem as medidas. Só que eu não era desse tipo. Quer dizer, às vezes eu tinha de satisfazer as minhas necessidades. Afinal sou um homem! No entanto eu escolhia muito bem os meus alvos, e fazia com que eles nunca mais me vissem, nem eu a eles.

Callous | h.sWhere stories live. Discover now