15| Descobertas

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C A P Í T U L O 15

DESCOBERTAS

Entro. Não entro. Pergunto. Não pergunto.

Aquelas eram as hipóteses que pairavam na minha cabeça desde que tinha chegado à morada que o Carl me tinha entregue. Estava tudo calmo e milagrosamente não estava a chover nem a nevar. Até se via um leve sol a espreitar por entre as nuvens. Era como se aquilo me obrigasse a sair do carro e a ir até à porta, tocar à campainha e esperar que alguém me atendesse.

Não sabia o que ia fazer se realmente a família do Carl lá estivesse. Quer dizer, eu tinha-me metido numa grande embrulhada ao ajuda-lo. Se o Matt descobrisse... eu estaria metido em grandes problemas. Grandes e pesados problemas. Talvez ele matasse o Carl, ou talvez ele até o fizesse comigo, ou aos dois. Ele era capaz de qualquer coisa para salvaguardar a vida dele.

Acabei por abrir a porta do carro e saí. Coloquei os óculos de sol, pus o capuz da camisola por cima do gorro e depois coloquei as mãos no casaco comprido. Estava frio e isso deixava-me mal disposto. Mas também se estivesse calor eu não iria ficar propriamente alegre. Fiquei um pouco parado em frente à casa. Era grande e dava para perceber que antes do Carl ter sido levado vivia uma boa vida, que acabou e provavelmente deixou a família dele nos extremos, com necessidades que nunca foram confrontadas. Abri o portão que chiou e depois fui até à porta. Tinha uma campainha, mas as janelas fechadas e uma cor escura nas paredes dava a entender que não estava lá ninguém. No entanto tentei.

Toquei à campainha e depois dei um passo atrás. Esperei que alguém abrisse, mas foi em vão. Então voltei outra vez a pressionar o dedo, mas mais uma vez ninguém apareceu. Olhei então em volta e depois de perceber que ninguém estava na rua, coloquei a mão na maçaneta e rodei a mesma. Estava aberta, apesar de ter sido necessário fazer um pouco de força. Entrei então na casa e depois fechei a porta. A escuridão fez com que fosse necessário ligar a lanterna do telemóvel. Assim o fiz.

Havia pó. Muito pó espalhado pelos móveis. Não estava nada desarrumado, apenas sujo. Então concluí logo que a casa não estava a ser habitada e que a família do Carl já lá não estava. Apesar disso continuei a andar e a procurar por algo. Nada em concreto.

A sala estava com todos os móveis e sofás. As paredes estavam com marcas de quadros que já lá não se encontravam. Passei pela cozinha. Só havia móveis e um frigorífico. Nada de mesa ou outro electrodoméstico. Vi um papel colado na porta do frigorífico com a ajuda de um íman. Peguei nele e li o que lá estava.

"Quero o meu bilhete para ver os The Neighbourhood. Fui a melhor nota da turma a biologia, por isso logo espero ter uma prenda no meu quarto. Beijo -A"

Bom gosto musical. Pensei depois de guardar o pequeno papel no bolso. Talvez aquilo pertencesse a um dos filhos do Carl. Talvez não tenha chegado a ter o bilhete para ir ver o concerto. Provavelmente os acontecimentos fizeram com que perdesse todo o interesse em tal.

Passei por mais uns aposentos no andar de baixo. Estavam vazios, por isso fui para cima. Havia cinco portas. Estavam todas fechadas. Talvez alguém lá estivesse morto. Ou até mesmo alguém estivesse lá a morar. Encolhi os ombros. Aquilo não fazia diferença. Tinha lidado com coisas piores em toda a minha vida, por isso não me importava de ver mais uma coisa que aos olhos das outras pessoas seria devastador.

Abri uma porta para encontrar uma casa de banho preta e branca. Voltei a fechar. Não havia nada de interessante naquele lugar que me pudesse levar a uma eventual pista. Fui então para outro cómodo. Acabei por entrar num quarto. Tinha uma cama de casal e automaticamente assumi que fosse o quarto do Carl e da mulher dele. Entrei. Olhei em volta e percebi que o quarto estava metade vazio e metade cheio. Fui para o lado onde estavam os objetos. Abri o armário por curiosidade para encontrar roupa de homem. Franzi as sobrancelhas. Do outro lado não havia nada.

Olhei para a cómoda para encontrar um envelope. Peguei nele e abri. Era o bilhete para o concerto. Voltei a coloca-lo dentro do envelope e guardei também no bolso do casaco. Estava a preparar-me para sair daquele quarto, com o intuito de procurar mais alguma coisa que me levasse à família daquele homem, quando o meu telemóvel começou a tocar. Olhei para o ecrã. Era o John. Ao início não ia atender, mas depois lá acabei por deslizar o dedo sobre o ecrã e colocar o aparelho junto ao ouvido. Raramente ele me ligava, por isso podia ser alguma coisa importante.

- Sim. - até era estranho dizer uma palavra que fosse naquela casa. Parecia que alguém me estava a ouvir mesmo não estando lá ninguém.

- Tu andas a seguir-me? - arregalei os olhos. Aquela não era a voz do John. Era uma voz feminina que falou disparada.

Baixei o telemóvel e olhei para o ecrã apenas para confirmar se eu não me tinha enganado ao ler o nome. Estava certo. No entanto não sabia a quem pertencia aquela voz.

- Quem fala? - perguntei enquanto continuava a andar para outro aposento.

Abri a porta para encontrar um quarto mais pequeno. Havia uma parede pintada a azul escuro. Deduzi que fosse de um rapaz. Entrei, mas como não estava com o telemóvel a iluminar o espaço não conseguia ver muito mais.

- Acho que não é muito difícil saber quem está a falar, Harry. - depois da pessoa do outro lado ter dito o meu nome percebi que era a Ava. Ela tinha uma maneira tão própria de dizer o meu nome, e sabia realmente bem ouvi-lo.

- Bom saber que sentes a minha falta. - atirei sarcasticamente. Ela era tão intensa. E eu era muito idiota.

- Eu não sinto a tua falta, nem nunca irei sentir. - foi direta, no entanto mais tarde arrependeu-se, e eu também.

- Boa, eu também não! - suspirei. - Vou desligar. Não estou numa de ter conversa fiada com pessoas que duvidam de tudo. Boas.

Ia desligar a chamada, mas ela gritou, literalmente.

- Espera. - voltei a colocar o telemóvel no ouvido. - Porque é que anda um homem atrás de mim? Foste tu? Foi por causa do que aconteceu ontem?

- O quê? - não estava a perceber nada. - Que homem?

- Um homem num carro qualquer seguiu-me, mas quando reparou que eu o vi desapareceu. Foste tu? Sabes o que se passa? - aquilo estava confuso.

Depois de termos conversado no meu apartamento eu levei-a embora passado uma ou duas horas. Ela podia não o querer transparecer. Mas ela estava cheia de medo. Tive de sair do carro com ela e leva-la até à porta de casa. Eu também não estava propriamente à vontade sobre tudo o que se estava a passar. Eu tinha uma certa culpa por aquilo tudo. Quer dizer, tínhamos todos. No entanto eu fui mesmo a ligação de tudo o que aconteceu, e o fim foi merecido.

- Eu não sei. - não podia mentir. Mas também ao dizer-lhe a verdade estava a assusta-la. Por isso mais valia jogar um pouco com as coisas. - Quer dizer. Deve ter sido uma coincidência. Mas eu não coloquei ninguém atrás de ti.

Fez-se silêncio. Ela estava com medo e eu não sabia o que fazer.

- E se me querem apanhar? - ela sussurrou. - O que é que eu faço?

Fechei os olhos. Aquilo não podia estar a acontecer.

- Eu não posso falar agora. Mas mais tarde eu falo contigo. - talvez eu mais tarde me arrepende-se. Ou talvez até me fizesse bem estar tão próximo dela. Mesmo não a conhecendo muito bem eu tinha uma certa necessidade estranha de me aproximar. - Pede ao John ou a alguém para te levar a casa. Mas não vás sozinha. Há pessoas muito más à solta.

Desliguei sem ela dizer mais alguma coisa e apontei com a lanterna para o quarto. Ao contrário do outro, aquele apenas tinha a mobília e não havia nada suspeito. Fui então para o corredor. Encontrei mais uma casa de banho e fui então para a última porta. Era também um quarto. Era preto e branco. Não havia indícios se seria de rapariga. Olhei mais uma vez para o bilhete que tinha tirado do frigorífico. Era uma letra muito certa e provavelmente seria da filha do Carl. Tinha de ser. Ele tinha-me dito que tinha um filho e uma filha. Se o outro quarto apontava para um rapaz, aquele tinha de ser de uma rapariga.

Entrei. Não havia nada. Estava tudo muito vazio. Apenas pó em cima da mobília. Olhei em volta, nada. Até que quando estava prestes a sair o meu pé escorregou em algo. Baixei-me. Era um papel. Peguei nele. Uma fotografia. Olhei bem para quem lá estava. Arregalei os olhos. O meu queixo quase que caiu. Era ela.




Callous | h.sWhere stories live. Discover now