11| Desenho

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C A P Í T U L O 11

DESENHO

Eu era um monstro. Fiz das piores coisas na minha vida. Das mais inimagináveis às mais prováveis. Tornei-me numa pessoa não merecedora de nada nem de ninguém. No entanto eu não respeitei as regras. Apenas porque um dia alguém disse as regras foram feitas para serem quebradas, e foi isso que eu fiz. Eu quebrei-as, mas magoei-me a mim e a outras pessoas. E não que eu me preocupasse com alguém naqueles tempos, mas depois. Depois eu fui apunhalado por algo que nos pode fazer acreditar nas coisas que anteriormente achávamos absurdas. Caí na teia. Não me consegui livrar dela e depois sofri as consequências. E os dias, meses e até mesmo anos seguintes tornaram-se num completo martírio. Fui posto à prova, mas fui um fraco, mesmo que eu não quisesse acreditar.

Estava sentado numa cadeira do café há mais de uma hora a tentar encontrar uma maneira de revistar as coisas do Matt, com o intuito de descobrir a fotografia. Mas era praticamente impossível. Ele tinha tudo controlado, especialmente por minha causa. No entanto eu não ia ficar por ali. Eu ia continuar.

Eu estava a ajudar uma pessoa, eu estava a ir contra as minhas próprias regras. Estava a deixar de lado os princípios que criei. Mas não era isso que ia suavizar a minha alma já perdida. Eu continuava a ser o mesmo monstro e por vezes eu só queria acabar com a minha própria vida. Apenas para ter o mesmo sabor que proporcionei.

O café estava calmo. Algumas pessoas iam entrando, mas rapidamente saiam. Tinha sido atendido pelo John, mas depois nunca mais o vi e então a única pessoa que estava naquele espaço para me poder atender se fosse necessária mais alguma coisa era a Ava, que nem um olhar me tinha dirigido, ao menos no tempo em que eu estive a olhar para ela. Que foi o tempo todo em que estive lá dentro. Provavelmente estava a respeitar aquilo que eu lhe tinha dito quando a levei a casa. Só que eu não queria que ela o fizesse. Precisava que ela desse um passo e me deixasse descobrir porque razão as feições dela não me eram estranhas e me soavam familiares.

Uma cadeira foi puxada para trás, mesmo na mesa à minha frente, o que me permitia vê-la perfeitamente bem, e ela a mim. Não percebi o intuito daquilo. Se ela me estava a ignorar como eu lhe tinha dito para o fazer, porque se estava a sentar mesmo à minha frente onde o contacto visual era altamente intoxicável?

Ela abriu um caderno, o mesmo caderno que das outras duas vezes que eu a tinha visto a usar. Depois pegou num lápis e começou a fazer traços. Até que ela olhou para mim. Eu estava a olhar para ela e os nossos olhares chocaram. Um azul frio com um verde odioso. Uma combinação que mais tarde eu vim a perceber que era perfeita.

Curiosamente, e contrariando aquilo que eu estava a pensar, ela não desviou o olhar. Manteve-o em mim, por um bom período de tempo. Era como se ela me estivesse a analisar. E eu fiz o mesmo. Não tirei o olhar dela, como se já não houvesse possibilidades para tal.

Ela era... ela era intensa e misteriosa. Aqueles olhos escondiam algo, algo que eu nunca pensei que fosse possível, mas que fazia sentido quando mais tarde o descobri. Ela não era assim só por ser. Ela tinha uma razão. Assim como eu. Ela era parecida comigo e isso fazia com que ela fosse a metade que podia explicar tudo em mim. Ela era a minha outra parte insensível e de certa maneira, eu era a dela.

Os seus olhos viajaram para o caderno e depois ela concentrou-se em mover o lápis que estava na mão para cima e para baixo. A minha curiosidade aumentou. Estaria ela a desenhar algo? Estaria ela a desenhar-me a mim? Não havia indícios de que estava a escrever e isso estava a deixar-me curioso.

Levantei-me então do meu lugar e fiz o meu caminho até à casa de banho. Olhei-me ao espelho. Eu estava com o cabelo grande, dava-me pelos ombros. Os caracóis estavam alagados, embora alguns estivessem lá. Alguma da minha barba era visível. Mas não muita. Estava com grandes olheiras, como se tivesse pendurado dois sacos pretos nos meus olhos. Não sei como me poderiam caracterizar como apresentável. Eu estava deplorável. Estragado. Destruído. Mas esse era eu. Não podia mudar. Não ia mudar. Nunca.

Callous | h.sWhere stories live. Discover now