57| Corte

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C A P Í T U L O   57

C O R T E

As palavras da Ambar despertaram um sentimento estranho em mim. Apesar de ela o ter dito de maneira subentendida eu consegui perceber o que ela queria dizer com aquilo, mesmo não querendo ter essa capacidade. Provavelmente deveria de ter estado mais atento aos passos da morena dos olhos azuis, ao invés de me afastar para não criar conflitos inoportunos. Era um sinal de fraqueza. 

Levantei-me. Inicialmente mostrei-me um pouco apático, mas depois foi como se um clique se tivesse dado no meu cérebro. Quando o fiz o Niall seguiu os meus movimentos e os três caminhamos para a casa de banho. Ainda antes de lá chegar consegui ouvir um leve choro. Parecia de dor e sofrimento, mas também de alívio. Afastei o Evan e a sua mãe e de costas encontrei a Ava sentada no chão com diversas caixas à volta dela. O corpo dela subia e descia conforme a sua respiração descontrolada e choro.

Em certos momentos vi como solução o suicídio. Aprendi depois de todo aquele momento mais conturbado da minha vida, que todas as pessoas acabam por pensar nisso como solução. Afinal de contas toda a gente tem problemas e mesmo que uns sejam maiores do que outros, não deixam de ser isso mesmo, problemas. Acontece que por norma ninguém consegue encontrar esse ponto da situação.

Foi talvez depois de ter pensado que tivera matado o Niall, que essa ideia surgiu e permaneceu de forma duradoura na minha cabeça. Todos os dias. Até a Ava começar a ocupar os meus pensamentos, fazendo com que eu esquecesse parte da minha vida, para a tornar como um todo.

Aproximei-me dela. Havia sangue. Gotas de sangue e sangue a escorrer dos braços dela. Fechei os olhos quando vi uma lâmina. Porém voltei a abri-los. Eu tinha de a impedir de avançar.

- Ava não! – caminhei para a sua frente. Os fracos de medicamentos estavam vazios. Reconheci como sendo os antidepressivos dela.

- Deixa-me. – tentei agarrar no braço dela, porém ela puxou-o violentamente. – Não me toques nunca mais. – ela fez uma pausa e olhou à volta. – Nem vais poder mais. Eu vou morrer.

- Ambulância? Já chamaram alguma? – levantei a cabeça e a Ambar respondeu com um rápido sim. – Porque é que fizeste isto Ava?

- Tu tiraste a minha vida. – a voz dela estava fraca. Perguntei-me quantos comprimidos teria ela tomado. – Que mal tem se eu acabar com o que sobra?

A Ava tinha aquele contraste entre a segurança própria e o medo comum. Às vezes ela parecia mesmo ser levada por todo o medo existente nas coisas mais simples, porém, ela também mostrava uma certa confiança e sabedoria em aspetos que poderiam ser um meio para a deixar em baixo.

De todas as vezes que a vi vulnerável, eu tinha sempre um papel presente. Ela sentia-se insegura quando não sabia o que estava a acontecer e sem eu querer explicar a situação, piores as coisas ficavam. Claro que eu nunca tive vontade de esclarecer. Sempre que eu estava bem, tudo o resto não me preocupava. Mas depois havia momentos em que era sempre tudo tão longe de uma realidade imaginável e então eu deixava-me ir.

Confesso que tê-la mantido perto de mim por tanto tento deixou-me num estado corrompido e talvez com alguma raiva interior, mais do que aquela que eu já possuía. Foram só quatro meses, mas acabaram por equivaler a uma vida inteira.

O sangue estava a escorrer pelos braços dela de uma maneira lenta. Um vermelho vivo que me causava arrepios, talvez por saber que aquele poderia ser o passo para um fim. E eu preocupava-me com ela, porque ela era a minha outra parte. Aquela que talvez me fazia acreditar que não era tão insensível como pensava ser.

Callous | h.sWhere stories live. Discover now