56| Risco

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C A P Í T U L O 56

R I S C O 

Os dias pareciam caracóis a andar. Quanto mais olhava para o relógio, mais o tempo demorava a passar. Tentava ao máximo evitar o contacto com todos os outros. Era, de uma certa maneira, tóxico. Prejudicial. Olhar queimava e se fala-se podia explodir. A Ava não queria falar comigo e eu não podia fazer muito mais. Tinha-a controlado por demasiado tempo e naquele momento que ela sabia que eu o tinha feito, ia resistir a qualquer investida minha. 

Sem carro, todos os meus percursos tinham de ser feitos a pé. Tentava ao máximo evitar transportes públicos devido ao excessivo contacto com pessoas que não conhecia de lado nenhum, embora eu não gostasse de qualquer contacto, exceto com quem me convinha.

Olhei para o relógio no meu pulso. Eram seis da manhã certas. O céu ainda estava escuro e poucas eram as pessoas que estavam na rua àquela hora. Eu estava encostado a uma parede a fumar um cigarro. Coisa que com os acontecimentos agressivos na vida tinha deixado de lado. E embora não levasse aquilo como um vício, deixava-me mais relaxado em certos aspetos.

Ouvi passos a vir na minha direção. Aquela tinha sido a hora combinada, por vários aspetos, mas um deles era para não dar tanto nas vistas.

Um rapaz mais ou menos da minha idade, de estatura baixa e com uns ombros largos apareceu. O seu cabelo estava a ser tapado por um gorro. Ele olhou para mim e eu apenas assenti em confirmação. O seu corpo aproximou-se do meu. Não disse absolutamente nada. Fiquei apenas a olhar para ele à espera que me desse aquilo que tínhamos combinado por telefone. Depois de uns segundos ele passou-me o objeto. Desembrulhei o papel que o envolvia. Era uma arma. Uma Colt Modelo 1900. Analisei a mesma para ver se estava nas suas perfeitas condições.

Como tivera perdido a arma que roubara ao Matt, precisava de outra. Mesmo estando num estado demasiado longe do Nevada, as coisas não estavam pacíficas. Antes pelo contrário. Longe e sem informação era ainda mais difícil percavermo-nos de qualquer golpe possível.

- Cinco mil. – olhei para cima depois do rapaz estipular um preço.

- Quatro mil. – acertei. – É usada.

- Tem balas.

- Quatro mil e quinhentos. – reformulei e estendi a mão para um acordo.

- Quatro mil e quinhentos. – o rapaz acabou por concordar. Abri o casaco e do bolso interior tirei um maço de notas, entregando ao rapaz, que rapidamente desapareceu, depois de confirmar a quantia.

Guardei a arma no local onde estava o dinheiro e fiz o meu caminho para casa, de mãos nos bolsos e cabeça baixa. Não queria lá voltar, mas tinha de o fazer. Entre o querer e o dever eu estava precisamente no meio, o que tornava tudo ainda mais confuso e difícil de lidar. Se eu pudesse largava tudo. E eu podia, mas não queria, por mais difícil que no momento me custasse admitir.

Fiz o caminho em completo silêncio, apenas com o som dos carros a passar por mim. Naquela cidade havia uma nuvem de dúvidas. Como se lá estivessem concentrados todos os demónios que me consumiam. Se aquilo já acontecia em Carson, lá apareciam com mais intensidade, talvez pelo facto de me encontrar sozinho a um nível que não acontecia naquela que tivera sido a minha cidade por uma data de anos e a qual eu não sentia saudades. Nem do espaço, nem das pessoas.

Entrei em casa. Estava tudo demasiado silencioso e isso talvez se devesse ao facto de todos estarem ainda a dormir. Caminhei para o meu quarto. Eu era o único que estava sozinho por motivos óbvios. O Niall e a Ambar encontravam-se sozinhos num quarto. Já a Ava, o Evan e a mãe de ambos estavam juntos no mesmo quarto. Eram os únicos existentes e claro que a Ava não queria partilhar um comigo, ao menos nas circunstâncias em que nos encontrávamos.

Abri a porta do meu quarto e tirei a arma do casaco. Estava pesada devido às balas. Precisava de me manter em segurança. Talvez não fosse por mim. Talvez nem estivesse a pensar na segurança. Talvez fosse só raiva. Talvez só a quisesse para acabar com a vida de alguém. Quem sabe a minha. Se encostasse a arma à cabeça e a disparasse acabava com tudo de uma vez. Se bem que num outro plano eu iria existir de novo. Se no passado eu e o Matt tínhamos tido uma ligação juntamente com a Ava e estávamos de certo modo a vivê-la de novo, depois de disparar um tiro em mim mesmo a vida não ia acabar de vez, só iria recomeçar.

Levantei-me então para guarda-la num local seguro em que ninguém pudesse encontrar. Porém, quando o ia fazer alguém entrou no quarto. Olhei para o Niall. Estava com uma cara desesperada.

- Fartei-me de te ligar. Há pouco ouvi a porta da entrada e pensei que nos estivessem a assaltar. – ele falou, mas pareceu perder o seu raciocínio quando olhou para a minha mão. – Isso é para?

- É para matar. – fui direto. – Tenho curso intensivo em fingir que mato pessoas.

Houve silêncio. Eu sentia-me revoltado. Por vezes esquecia o que tivera acontecido, especialmente as decisões do Niall. Mas em certos momentos eu continuava sem perceber porque razão me tivera ele mentido e feito sofrer. Apesar de naquela altura me sentir profundamente insensível, mais tarde descobri que não era assim tão verdade. Eu sofri, como qualquer pessoa. Porém foi de forma diferente.

- Já que parece que não estás com intenções em levar o nosso plano a cabo para destruir o Matt, vou eu continua-lo. – abri o armário e guardei a arma no fundo do mesmo, tapando com algumas roupas.

- Eu nunca disse isso. – o loiro defendeu-se.

- Mas é o que mostras Niall. Tiveste a oportunidade perfeita de matar o Matt e não o fizeste. De uma certa maneira impedis-te que eu o fizesse, e depois passas a vida a atirar-me tudo à cara. Eu sei o que fiz, parabéns para ti. – descalcei-me, atirando-me para a cama.

- Um plano significa estratégia e até agora não fizemos nada disso. – ele também se sentou. – Claro que eu não matei o Matt, nem te deixei fazê-lo, porque isto não é assim. Mata-lo não chega. Temos primeiro de destruir o que ele tem. – custava-me compreender o Niall. Ele parecia totalmente diferente dos tempos em que éramos só nós. Às vezes não me causava essa impressão, mas em parte sim, porque claramente que aquela irritante à qual ele chamava namorada tinha manobrado o verdadeiro Niall com que eu tinha crescido. – Eu estudei-te demasiado tempo, ou talvez tivesse sido a Ambar a fazê-lo. Aquelas mensagens que te mandei e que te deixavam confuso eram de propósito. Comecei a ver-te a cair em qualquer buraco. Mesmo que não queiras admitir estás completamente transtornado. – olhei para ele seriamente. – Estás fodido da cabeça, se for mais fácil.

- Claro Niall, para ti fazer juízos de valor é muito fácil. Justificar-te é muito fácil. Parabéns. – bati palmas. – Já entendi. Mas lamento informar-te que agora estou sozinho. Não preciso de ajuda, não preciso de plano. Vou fazer tudo por mim mesmo. Estás aqui, tudo bem. Não estás, tudo bem na mesma. Pensei que podia contar contigo como tínhamos planeado há alguns anos atrás. Acontece que já percebi que a única coisa que queres é seguir com a tua vida para a frente. Se calhar até és mais inteligente do que eu, mas realmente já nem quero saber muito deste tipo de coisas.

Suspirei. Acabei por me cansar de discutir com o Niall e culpa-lo de parte do meu estado. Já não valia a pena se o via tão despreocupado em relação a algo que eu estava. Talvez ele só tivesse aparecido para se redimir do que tivera feito. Se ele não tivesse concordado com o Matt em deixar-me louco, talvez eu não tivesse um historial de vida tão pesado.

Hoje posso admitir que em parte agi como ele quando decidi esconder a verdade à Ava. Foi mais ou menos uma repetição. Mas quando é connosco é sempre tudo diferente.

- Niall? – uma voz gritou. O rapaz abriu a porta para se deparar com uma Ambar aflita. Olhei para ela e ela para mim. – Vocês têm de vir.

- O que se passa? – ele perguntou enquanto que eu tentava perceber o ponto da situação.

- A Ava ela... Oh meu Deus, vocês têm de vir depressa e impedir que ela o faça.

Callous | h.sOnde as histórias ganham vida. Descobre agora