13| Gritos

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C A P Í T U L O 13

GRITOS

Havia uma ligeira diferença em tudo à minha volta. Especialmente em mim. Eu estava a tornar-me solidário. Isto se o posso considerar. Nunca o fui por isso talvez só estivesse com medo daquilo que me podesse afetar. Mas medo? Desde quando é que eu comecei a ter medo? Talvez desde o dia dia em que descobri que eu também estava sujeito à dor psicológica intensa e consumidora. Só não o quis admitir. E foi o meu maior erro.

Estava completamente encharcado. Desde que tinha saído da propriedade do Matt que a chuva tinha-se tornado mais intensa. Como queria esquecer momentaneamente os problemas, decidi aumentar o percurso. A corrida não me estava a cansar, mas eu estava realmente a precisar de ir à casa de banho e então aumentei a velocidade. Porém eu fui travado por algo bem mais forte, que me fez esquecer a chuva a cair sucessivamente no meu corpo e a minha urgente necessidade em ir à casa de banho.

Eram gritos. Gritos muito altos, agudos, femininos. Aquilo começou a fazer bastante confusão na minha cabeça. Mas eram reais. Ao contrário das visões que eu andava a ter.

O meu corpo estava parado, até que o meu cérebro tomou a iniciativa de me pôr a mexer. Segui os gritos acabando por entrar num beco, onde já não havia luz. Apesar de serem cinco da tarde o inverno não deixava que a luz diurna iluminasse os espaços mais fechados como o verão deixava. No entanto eu consegui ver dois corpos. Ou melhor, um corpo e as pernas de outro. Era um homem e estava claramente a impedir os movimentos de uma mulher.

- Hey. - aproximei-me e o homem virou-se para mim. Ouvi mais um grito feminino e depois disso o homem começou a correr. - Nem tentes. - disse baixo e depois comecei a correr atrás da pessoa.

Durante cinco minutos corri com a minha maior velocidade. Mas quando eu pensava que ia apanhar o homem, ele entrou para uma carrinha que o levou para uma parte incerta. Respirei fundo para tentar recuperar algum fôlego e depois voltei para o beco escuro. A mesma pessoa que estava a gritar estava sentada no chão a chorar. Hesitei antes de avançar, mas depois encolhi os ombros e fui. Não me estava a tornar numa boa pessoa, mas também já nem queria saber de nada.

- Tu... - eu não sabia como tratar a rapariga à minha frente. Ela tinha a cara escondida entre as pernas e isso impossibilitava a minha visão. O choro ainda era audível e estava a ser bastante incomodativo. Eu odiava ouvir e ver as pessoas a chorar. Era torturante. Era como se estivessem a entrar em alguma parte que eu nem sabia que existia em mim. - Aquele homem fez-te alguma coisa?

Havia uma forte probabilidade que ele a tivesse violado. Podia ter sido uma tentativa de assalto. E talvez o tivesse sido. Ela estava com a roupa vestida, e mesmo que não tivesse visto muito bem o homem, ele não parecia descomposto.

A cara escondida foi descoberta. A pessoa que ainda estava a chorar, embora de forma não tão desoladora, olhou para mim. Quase que fui atirado para o chão quando vi aqueles olhos tão característicos mesmo no meio da escuridão. Ela olhou para mim assustada. Não percebi se era por me ver ali ou se pelo que tinha acontecido anteriormente. Talvez uma mistura dos dois. Afinal eu não era propriamente a pessoa mais desejada, especialmente pelo meu feitio.
No entanto, mesmo estando com algum receio sobre o que podesse acontecer, eu tentei remediar a situação. Afinal de contas tinha acontecido algo verdadeiramente chocante, especialmente para ela.

Apesar de eu querer dizer alguma coisa eu não sabia o quê. O que é que eu ia dizer a alguém que estava a chorar? Ainda por cima com a chuva intensa a cair sobre nós.

- Ele fez-te alguma coisa? Roubou-te? - eu era realmente péssimo. E essa era uma das razões para eu manter o afastamento.

- E-ele agarrou-me e-e de-depois - era estranho ve-la tão vulnerável, principalmente porque depois de todas as outras vezes em que estivemos juntos ela mostrou-se ser bastante dona de si mesma, sem medo de responder.

Callous | h.sWhere stories live. Discover now