68| Adrenalina

927 128 57
                                    

C A P Í T U L O 68

A D R E N A L I N A

A morte do Carl era algo que não se podia evitar. Melhor do que ninguém, eu sabia que isso iria acontecer, porque eu acompanhei tudo aquilo que lhe foi acontecendo nos últimos anos. O Matt não o tinha poupado. Porém eu nunca pensei que aquilo fosse acontecer num momento como aqueles, onde apesar de tudo, alguma pobre e indispensável felicidade estivesse no ar.

O silêncio que cobria aquele quarto era tóxico. Eu não era a melhor pessoa para estar junto da Ava naquele momento. Ou melhor, eu não era a melhor pessoa para estar junto dela em qualquer situação. Em momentos, durante aquele tempo pensei que mais valia ela nunca ter descoberto o que tivera acontecido com o pai, e viver na ilusão de que ele tinha fugido e encontrado outra família. Mas já nada disso poderia ser mudado. Ela sabia de toda a verdade e não havia volta a dar.

Levantei-me sem saber o que fazer. Não queria perguntar-lhe se ela estava bem, porque isso iria levar a situação para um nível pior. Peguei no meu casaco tirando o maço de tabaco e caminhei para a varanda. Dei lume para o pequeno rolo na minha boca com a ajuda do isqueiro.

O ar estava gélido, exatamente como toda aquela situação. A falta de roupa estava a deixar o meu corpo frio, então assim que terminei de fumar, voltei a entrar. O silêncio que outrora dominava aquele quarto, tinha sido substituído pelo desesperado e audível choro da Ava. Ela estava debruçada sobre as próprias pernas, com os braços ao redor das mesmas. Suspirei antes de caminhar para junto dela. Quando lá cheguei debrucei-me também, de modo a ficar da mesma altura.

– Ava... – chamei. Porém ela não se moveu.

– O meu pai. – as palavras saíram abafadas no meio do choro. – Como... Porquê?

Não respondi. Todos sabíamos a resposta para qualquer que fosse a pergunta. Porém, se não fosse a morte do Carl, uma coisa nunca se teria sabido. E não teria sido melhor deixar em segredo? O sangue que corria nas minhas veias já era mau, mas depois daquela descoberta tornou-se pior. Tornou-se na coisa mais horrível do mundo inteiro.

– Isto ia acontecer a qualquer momento Ava. Todos sabíamos disso. – apesar da minha insensibilidade, não conseguia passar indiferente àquele acontecimento. O Carl tivera sido a única pessoa do meu lado durante todo aquele tempo, onde as pessoas só me acusavam de todo e qualquer acontecimento. Mas a verdade é que eu tinha realmente culpa disso.

– Como é que tu podes dizer uma coisa dessas? – a sua cara escondida foi revelada quando as suas pernas se baixaram e os seus braços deixaram de a proteger. – É do meu pai que estamos a falar. Pessoa que tu escondeste de mim durante este tempo todo. – as mãos dela começaram a dar socos no meu peito, mas era inútil. Não doí-a. Ela não tinha força. – Ele não podia ter morrido. Se não fosse a tua cobardia nada disto teria acontecido. – segurei com força nas mãos dela, o que fez com que ela aumenta-se o choro. – Eu odeio-te.

***

O táxi levou-nos para a clínica onde o Carl estava internado. Antes disso fizemos uma paragem rápida em casa para a Ava trocar o seu vestido vermelho por umas peças de roupa preta. Fiz o mesmo, libertando-me daquele horrendo fato preto.

Não havia como fazer a Ava parar de chorar. Ela estava completamente descomposta e eu não estava preparado para o momento onde ela iria encontrar o pai sem vida.

Quando o táxi parou em frente à clínica os meus olhos detetaram a presença de vários carros, nomeadamente uma ambulância e um carro da polícia. Saímos assim que paguei ao homem e quando estávamos a caminhar para a entrada, uma pessoa colocou-se à nossa frente, impedindo-no de passar. Era o Niall.

– Vocês não podem entrar. – ele tinha os olhos vermelhos.

– Porque não? – a Ava perguntou com as lágrimas a caírem sucessivamente. – Eu preciso de ir ter com a minha mãe e o meu irmão.

Ela tentou mover-se para o outro lado, mas o Niall não deixou. Franzi a testa. O que se estaria a passar ali dentro para que nem eu nem a Ava pudéssemos entrar? Teria sido o Carl assassinado? Teria sido o Matt? Aquele grandessíssimo...

– Foi o Matt não foi? – perguntei já com uma enorme adrenalina a correr por mim acima. O Niall olhou para mim com ollhos sábios. Às vezes ainda me custava acreditar que ele esteve aqueles anos todos sob a asa do Matt enquanto todos os dias sempre que eu acordava me lembrava de lhe ter tirado a vida. – É desta que eu dou cabo dele.

– Vais parar Harry! – a força do loiro não propriamente loiro era tanta, que eu fiquei extamente no sítio onde estava. – Nenhum de vocês pode entrar. – ele olhou para trás como se estivesse à procura de alguma coisa. Depois afastou-nos um pouco daquele lugar. – Pouco depois de vocês terem ido embora da festa ontem, o Carl veio para cá porque estava muito cansado. Hoje de manhã... – engoliu em seco e desviou um pouco o olhar. – Hoje de manhã quando lhe iam dar o pequeno almoço, uma enfermeira encntrou-o... encontrou-o morto. Só que não o encontrou só a ele. O Carl estava a escrever uma carta, e essa carta tem alguma coisa que te compromete. Não só a ti, mas como a ti também. – apontou para mim e para a Ava. – E a carta era para ti Harry. Agora a polícia anda à vossa procura, e do Matt também. O Carl deveria querer contar-te algo importante e acabou por te denunciar. Vocês têm de fugir daqui o mais depressa possível.

Todo eu parei. O que havia de tão comprometedor naquela carta que me pudesse denunciar?

Olhei em volta. Todos os meus planos estavam a ser transformados em pequenas armadilhas para mim próprio. Eu queria tanto destruir o Matt, que estava mas é a destruir-me a mim mesmo. A minha fome de vigança era tão grande para tudo o que estava ao meu alcance...

O meu telemóvel tocou. Peguei nele. O nome do John apareceu no visor. Deslizei o dedo sobre a opção atender, ouvindo-o muito agitado do outro lado.

– Meu... – ele começou. – Acabei agora de passar por tua casa. As portas e as janelas estavam todas abertas e uns polícias estavam a sair de lá com umas caixas. Achei que quisesses saber. Eles devem estar à procura de alguma coisa, até cães eles tinham junto com eles.

– Obrigado.

Desliguei o telemóvel. A minha fúria era demasiado grande para todo eu. Se não me pusesse a andar dali para fora a polícia iria apanhar-me e eu não podia vingar aquilo a que tinha direito.

– Quem disse o meu nome completo à polícia?

– A mãe da Ava. – o Niall respondeu.

– Aquela grandessíssima filha da... – a unhas da da Ava presas no meu braço não me deixaram terminar a frase. – O John acabou de me ligar a dizer que estão a fazer uma busca à minha casa.

– Isso é mais uma razão para saíres daqui agora. – o Niall estava a suportar um desespero enorme. – Tens aqui o meu número de telemóvel e o da Ambar. – deu-me um pequeno papel. – Vocês têm de deitar os vossos telemóveis ao lixo, ou então serão facilmente localizados.

– Eu não vou. – disse a rapariga que consumia a minha mente. – Eu quero ver o meu pai.

– O teu pai está morto Ava! – os seus olhos pararam em mim. Consegui perceber a vontade dela em extinguir-me naquele momento. – Tu não vais ali dentro fazer nada. Vens comigo agora. E lembra te que já estás metida nisto. Não há volta a dar.

Callous | h.sWhere stories live. Discover now