Epílogo

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E P Í L O G O

A Ava mentiu-me. Quando naquele dia em que ela me foi visitar à prisão e eu lhe perguntei se ela viria no dia seguinte, ela limitou-se a mentir-me. O dia seguinte passou, assim como os restantes e ela nunca mais apareceu. Os quatro anos e oito meses que eu passei na prisão foram entregues à solidão. A Ava não me visitou, assim como mais ninguém o fez.

Quando ela me disse adeus ela estava mesmo a referir-se ao verdadeiro significado da palavra. Era isso que ela tanto temia e que aconteceu. O não querer dizer a verdade era na realidade uma maneira de prolongar o tempo que ainda tínhamos juntos. E quando ela disse que o que iria acontecer era o que eu sempre soube e só naquele momento ela tivera descoberto, era o facto de irmos ficar sozinhos. Ela de um lado e eu de outro, como eu sempre disse que deveria ter acontecido.

Hoje é dia um de dezembro de dois mil e dezanove, e há exatos cinco anos eu vi a Ava pela primeira vez. Pela primeira vez na minha vida atual, pois ela já era uma constante da minha vida passada. Nunca pude imaginar que aqueles olhos azuis iriam ser a causa do futuro negro da minha vida. Ela era a grande peça do jogo, aquela que todos queriam. Mais do que ninguém eu queria-a. Não só a queria por ser a Ava, mas também pelas feições dela, pelo corpo dela, pelo toque e pela respiração. Eu queria-a de várias maneiras. Maneiras essas que nem eu admitia, e o pior disso tudo é que eu demorei demasiado tempo a percebê-lo.

Vaguei-o lentamente pelas ruas de Carson. Há uma semana que saí da prisão. A minha intenção era arranjar algum trabalho para poder juntar dinheiro para o bilhete de avião. Porém não foi preciso. Quando passei pela receção um guarda entregou-me um envelope com dinheiro. Não tinha nome, mas pelo ato só podia ter sido a Ava. Mais ninguém sabia que estava preso, e além disso quem se daria ao trabalho de fazer uma coisa do género por mim? Só a Ava. Só ela, depois de tudo o que eu lhe fiz, podia ter coragem de me ajudar. Só ela, com a sua verdadeira alma poderia ter o bom senso de o fazer. E isso era o que me separava dela. A pequena e fina linha que nos diferenciava. Eu era rancoroso e por tudo o que acontecia, a minha maior vontade era poder fazer vingança com as minhas próprias mãos. Ela não. Ela zangava-se, mas no fundo era demasiado vulnerável para poder querer vingar-se. Hoje eu não me sinto tão monstruoso como me sentia antes. Quando somos privados à liberdade, uma parte de nós deixa de fazer sentido. Eu fazia sentido enquanto a Ava ainda estava perto de mim, enquanto o Matt era vivo, ou o Niall estava morto na minha imaginação. Até mesmo quando o Carl tentou que eu lhe dissesse algo sobre a família. Eu consegui viver por tanto tempo porque eu tinha algum mal para fazer, ou simplesmente algo para alimentar. Mas depois de ficar sem aquilo que faz de nós o que somos, qual o verdadeiro sentido de continuarmos presos a um corpo?

Entro na floresta, aquela que por tantas vezes foi o nosso cenário. Olho em volta. Não só memórias que passei com a Ava mas também com o Niall passam-me à frente dos meus olhos. A casa que em tempos a Ava e a família dela habitaram está ao meu lado direito. Uma réstia de esperança que ela ainda lá esteja percorre-me. Porém desaparece assim que vejo o estado em que se apresenta. A casa está destruída. As janelas estão partidas e não há portas. Eu sou a casa, a Ava as portas e o meu coração as janelas.

Suspiro. Se anteriormente a floresta era o local para onde eu me podia refugiar e fugir de todos os problemas, a floresta é hoje um local que eu não quero pisar. Os arrepios que me percorrem fazem-me abandonar o local e caminhar pela estrada.

Aconchego-me no meu casaco. A falta do meu cabelo comprido faz-me ter mais frio. Não só isso como também a quantidade de peso que perdi enquanto estava na prisão. Honestamente nem sei como consegui sair daquele local com vida. Na primeira semana ainda tive alguma esperança de que a Ava aparecesse. Convenci-me de que ela estava demasiado ocupada para me poder visitar. Mas, quando essa semana passou e ela não deu sinais, eu percebi que ela me tivera deixado ficar. Não sei se a posso censurar. Afinal de contas, quantas vezes eu lhe disse que nunca nos devíamos ter aproximado? Só contribuí para que ela o fizesse. O problema é que eu nunca pensei que ela tivesse coragem para tal, e então deixei-me levar, fazendo asneira atrás de asneira. Foi então que caí na real e num processo de negação. Se de todas as outras vezes eu é que mandava e controlava, como é que naquele momento eu já não o podia fazer?

Callous | h.sWhere stories live. Discover now