41| Incompreensão

2.1K 230 13
                                    

C A P Í T U L O 41

Incompreensão

No dia seguinte quando abri os olhos a primeira coisa com que me deparei foi com o corpo da Ava junto do meu. As suas pernas nuas e macias estavam a roçar nas minhas e a respiração dela era lenta. Ela parecia caída num sono profundo, enquanto que eu mal conseguia abrir os olhos para poder distinguir os objetos à minha volta. A minha noite de sono tinha-se limitado a uns minutos embalados no meu subconsciente, trazendo depois toda uma onda de preocupações, arrastando com ela o mar.

Suspirei pesadamente ao pensar que no outro quarto tinha o Niall e a namorada, e que a menos de dois quilómetros estava o Matt a engendrar um plano para nos apanhar e destruir-nos. A qualquer momento ele podia entrar em minha casa, por isso eu não podia dormir. Porém a falta de sono era evidente.

Peguei no telemóvel e abri uma nova mensagem.

Para: Matt [07:45 a.m]

Já tens mais do que aquilo que precisas. Para de uma vez por todas.

Pousei o telemóvel em cima do peito e olhei para o teto. Se eu pudesse de alguma forma ter mudado os acontecimentos que se viriam seguir àquele, tudo seria muito mais fácil. Eu podia tê-lo feito. Mas o sofrimento a que fui exposto também foi necessário. Nós precisamos de sofrer para aprender a não cair no mesmo buraco, por mais cruel que isso possa soar, foi o que eu aprendi.

Logo o meu telemóvel vibrou.

De: Matt [07:57 a.m]

Tu realmente não sabes com quem te estás a meter. Mas deixa-me dizer-te que em breve vou colocar-te no teu lugar.

A Ava mexeu-me ao meu lado, colocando-se quase em cima de mim. Olhei para ela e depois para a mensagem. O Matt queria-a. Mas antes disso ele queria arruinar-me a mim. Não compreendia porque razão. Tinha sido ele a comprar-me, a expor-me ao inferno que é o mundo. E ele tinha tudo o que queria. Porque razão queria tirar o pouco que já me restava e que nem sequer era meu oficialmente?

***

- Então quer dizer que o Carl está mesmo quase a morrer. – passei a mão na testa para limpar o suor. Depois olhei para o Niall que estava concentrado a mudar a fechadura noutra porta, fazendo tudo com demasiada força para as coisas ficarem em condições.

Depois de ter levado a Ava e a Ambar ao trabalho, passei por uma loja de ferragens e comprei diversas fechaduras novas. Já devia de o ter feito há mais tempo, mas uma vez que o Niall ia passar a viver em minha casa com a namorada dele, não podia arriscar-me em manter as antigas fechaduras das quais o Matt possuía a chave. Apesar de não ser totalmente seguro, porque ele fazia o que queria, dava alguma mão de manobra para ao menos estarmos um pouco preparados.

- Ele não aguenta muito mais. O Matt injetou-lhe quantidades absurdas de droga ao longo destes anos. Eu nem sei como é que ele ainda está... – não terminei a frase. O Carl era como um pai para o Niall.

Não sei muito bem o que aconteceu com o Niall, mas segundo o que percebi com o passar do tempo, os pais dele eram drogados e alimentavam-se com o produto do Matt. Como tinham acumulado muitas dívidas, acabaram por trocar o loiro em forma de pagamento. Não foi muito diferente do que aquilo que aconteceu comigo. Os meus pais trocaram-me por dinheiro. Acho que nem sequer os posso chamar de pais. Por vezes compreendia o que se tinha passado, mas noutras circunstâncias a raiva tomava o melhor de mim. Nem foi o próprio facto de ter sido trocado por dinheiro, foi mais o ter sido escolhido entre mim e a minha irmã que nunca soube se tinha sobrevivido. Sei que o Niall transportava a mesma raiva que eu, embora não a mostrasse exatamente como eu fazia.

Crescemos naquele ambiente pesado. Tornamo-nos pessoas sem qualquer réstia de bondade. Nem queríamos ouvir falar em tal, porque para nós o mundo não passava de um fingimento com pessoas ainda mais fingidas. Claro que quando o Carl chegou as coisas pareceram ter mudado um pouco. Apesar de estar abalado com toda a situação ele falava connosco de forma que ninguém o tivera feito. Eu resisti o tempo todo, mas o Niall não. Então ele desenvolveu sentimentos que o levaram a ver o Carl como pai.

- O Matt é tão... – foi naquele momento que percebi então que o Niall não estivera a mentir quando me contou toda aquela história de querer acabar com o Matt. Ao início custou-me. Ainda custava. Só se tinham passados dois dias e depois de dois anos ele já estava a habitar a mesma casa que eu e estávamos juntos a levar a cabo um plano. Talvez não devesse ter sido assim. Porém não podia perder muito mais tempo. – Eu não consigo compreender porque razão quer ele dominar a porra do mundo se ele um dia vai morrer.

- É o Matt, Niall. Sabes que ele apenas quer ver as pessoas a fazerem aquilo que ele quer, nem que seja por segundos. – deixei-me escorregar no chão depois de ter concluído o trabalho. – Eu só não consigo perceber uma coisa.

Ele sentou-se também ao meu lado, olhando de seguida para mim. Era estranho vê-lo com o cabelo castanho. Não parecia ele. Muito menos com aquelas roupas.

- O quê? – ele perguntou.

- O Matt... ele. – tracei pequenas linhas invisíveis no chão e depois voltei a olhar para o Niall. – Não consigo perceber porque razão ele me odeia tanto. Principalmente o facto de me tirar tudo aquilo que eu tenho.

- Tens uma maneira de descobrir isso. – o Niall apressou-se a falar.

- Como?

- Com uma regressão de memória. Ficas logo a saber isso tudo. – ele parecia entusiasmado. Porém eu não.

- Essa merda não Niall. Isso é perigoso. – talvez eu estivesse com receio. Porém eu não gostava quando não tinha controlo sobre a minha mente.

- Perigoso é deixares esse medo de miúdo de oito anos comer-te vivo.

Callous | h.sWhere stories live. Discover now