37| Superioridade

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C A P Í T U L O 37

S U P E R I O R I D A D E

Acabei por adormecer num local desconhecido dentro do carro. Passei lá a noite e sempre que o meu telemóvel tocava eu apenas o ignorava, até que cheguei ao ponto de o desligar. Não queria falar com ninguém. Não depois daquilo que tinha descoberto. O meu melhor amigo tinha-me traído, tinha-me substituído, por uma rapariga. Ele colocou a merda dos sentimentos dele à frente da nossa amizade e do nosso plano em destruir o Matt. Ele ficou do lado daquele monstro ao invés de fazer as coisas à vista. Ele preferiu ser alimentado pelo dinheiro sujo daquele filho da puta ao invés de escolher a nossa amizade e o nosso plano.

- Cabrão. – cuspi para o ar com a voz elevada depois de ter dado um pontapé numa porta mal suspensa numa casa longe da civilização.

O céu mostrava o nascer do dia. Não havia chuva, não havia neve, havia frio, e isso fazia sentir a aproximação de fevereiro. Isso e um novo estratagema para poder acabar de vez com todos aqueles traidores e coloca-los no lugar de onde nunca deveriam ter saído.

Mas, eu tinha-me esquecido de uma coisa muito importante. Não estaria eu a fazer o mesmo com a Ava? A priva-la da verdade de saber do pai e esconder-lhe todos os assuntos que comprometiam a vida dela? Claro que estava, só que eu não vi tal coisa acontecer. E se vi, fechei os olhos. Que moral eu tinha para estar zangado?

Entrei no carro. Como já não me lembrava do caminho que tinha tomado para aquele local abandonado, liguei o GPS e digitei a morada do café do John. Já não sabia para que lugar deveria ir. Mas lá tinha a certeza que nem o Matt ou o Niall apareceriam. Mas havia a Ava, que eu tinha ignorado a noite toda.

Parei o carro depois de uns quinhentos metros e liguei rapidamente ela pondo logo de seguida o telemóvel ao ouvido quando começou a chamar. Tudo o que ouvi depois de atender foi puro silêncio.

- Está tudo bem, não te preocupes mais. – foi uma péssima escolha de palavras, mas foi tudo o que me veio à mente naquele exato momento.

- Tu só podes estar a brincar comigo! – afastei um pouco o telemóvel do ouvido quando a voz dela soou demasiado elevada. – Tu só podes estar a brincar comigo Harry! Qual é que foi a tua ideia?

- Ouve...

- Não, não ouço. Quem vai ouvir-me aqui vais ser tu! – não a contrariei, seria pior. – Tu és um grandessíssimo filho da mãe e devias de morrer sozinho e ninguém se lembrar de ti. Eu passei a noite toda acordada e preocupada, porque adivinha. O meu namo- – foi como se lhe tivessem puxado para trás, porque ela não terminou de dizer a palavra. – Tu saíste de minha casa alterado e nunca mais me disseste nada. Se tu soubesses como eu te estou a odiar neste exato momento...

Eu admirava-a por duas razões. Pela coragem e pela falta dela. Num instante ela confrontava o maior sacana do mundo, como a seguir já estava cheia de medo a implorar-lhe que não lhe fizesse mal. Era difícil controlar duas facetas tão distintas. Mas ela era perspicaz.

- Tudo aquilo que eu quero fazer neste exato momento é sair à rua sozinha!

- Não queiras brincar com o fogo! – adverti-a.

- Que fogo? Diz-me? O que é que se passa de tão especial que me impede de respirar? – discutir levava-me à exaustão, especialmente se fosse com ela, ainda para mais tendo como meio um estúpido telemóvel. – Porque é que não me contas? Porque é que me tratas como se eu fosse a mais bela pedra preciosa que vale milhões?

- Porque tu és uma! – gritei-lhe. – E para com a merda das perguntas. Se saíres de casa vais arrepender-te, acredita que vais!

Dito aquilo desliguei o telemóvel e conduzi para o café, acreditando que ela não me iria desafiar ao sair de casa.

Estava com algumas pessoas, que pareciam já todas com os seus pedidos. Fui ao balcão. Estava exausto. Física e psicologicamente. Quando olhei para cima vi a nova rapariga a olhar para mim com uma expressão séria.

- Nunca viste? – perguntei com um certo desdém na voz. – Queres uma fotografia? Podes tirar. – mostrei-lhe o telemóvel.

- És muito ignorante tu. – ela disse.

- Era só o que mais me havia de faltar. – disse para o ar. – Ouve miúda. Se me atenderes, fixe. Se não dou meia volta e bazo daqui.

- Oh, a sério? – saiu de trás do balcão e veio até à minha beira, agarrando-me num pulso com força, demasiada força para uma simples rapariga. – Vens comigo, e nem um piu, entendido?

- 'Tás-te a passar. – tentei soltar-me mas sem sucesso. Era difícil de admitir, mas ela tinha mais força que eu.

- Tu também amigo. Agora vem comigo. Temos assuntos a tratar.

Disto aquilo levantou-me como se fosse a coisa mais fácil do mundo e conduziu-me até ao armazém do café, onde me atirou para para um canto, olhando depois para mim com bastante arrogância, como se me quisesse desfazer aos bocadinhos. Algo que eu desejaria poder fazer com ela uma vez que não percebia as ações dela e muito menos de onde ela vinha com tanta confiança para me tratar como se fosse minha amiga de longa data.

Poderia mudar-lhe o Ingrid para Rainha da Superioridade.

- Em primeiro lugar, eu não gosto de ti, mas vou ter de passar a gostar. – andou de um lado para o outro. – É uma maçada. Nem sei como é que a Ava gosta de ti. Eu até tenho vómitos em pensar em ti, mas, todos temos de fazer sacrifícios não é? Uns maiores do que outros. – nem me atrevi a mexer. Ela era intimidante. Mais do que qualquer outra pessoa. – Estudo-te há demasiado tempo para perceber os teus estratagemas. Diria que és um burro ao quadrado com esse cérebro de passarinho. Mas... vá, até que tens umas manobras inteligentes, de vez em quando. – parou para olhar para mim. – Certo, desculpa a maçada, eu vou apresentar-me. Ambar Evans. Talvez eu seja o teu anjo da guarda, apesar de não gostar dessa denominação em mim. Ou melhor, de mim para ti.

A minha vida era uma autêntica alucinação. Não havia outra descrição. As coisas eram surreais a um nível que eu nem imaginava. Se eu pensava que tinha tudo controlado, estava redondamente enganado. Nem a minha respiração estava controlada, quando mais os meus passos.

- Exatamente. – o seu corpo juntou-se ao meu, sentando-se ao meu lado. – Eu sou a namorada do Niall, eu sou a rapariga por quem ele te trocou. Agora, podes odiar-me, mas não o odeies a ele. Ele fez o que fez para te ajudar. E tu és um burro que não percebes absolutamente nada. Pior do que tu teres pensado que o mataste, foram os dois anos que ele passou cheio de culpa, onde me falava todos os dias de ti. Sei mais de ti do que de mim. – abri um pouco a minha boca. – Devias de ter pensado antes de agires daquela maneira. Ele é o teu melhor amigo. Deve gostar mais de ti do que gosta de mim. – vi-a traçar linhas invisíveis no chão. – Se calhar ele até não fez muito bem ao esconder-te isto por tanto tempo e aparecer de um momento para o outro, mas isto é a vida real. Então acorda e deixa de ser um grande idiota. Se fossemos imortais não valia o esforço, mas o teu tempo está a esgotar-se, e o dela ainda mais.

Parecia que aquela informação me estava a transportar para um local que eu não conseguia saber qual. Parecia que toda aquela informação me estava a colocar numa bolha perigosa para não me deixar raciocinar. Era como se eu estivesse a atravessar um período de turbulência pesada, que me fizesse ficar com os sentidos trocados.

Porém, apesar daquilo tudo, eu não podia mostrar-me tão fácil de controlar e vulnerável. Eu não era assim.

- Eu vivi este tempo todo com a consciência pesada a pensar que o tinha morto. Achas que há algo pior do que isto? – controlei-me o máximo, mas a minha indignação levou o melhor de mim. – Ele fugiu para me ajudar? De quê? Explica-me.

- Não sou eu que te vou contar. – ela levantou-se. – Se estiveres interessado e deixares um pouco esse orgulho de lado, vai e pergunta-lhe.


Callous | h.sWhere stories live. Discover now