07| Medo

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C A P Í T U L O  07

MEDO

Eu nunca fui de afetos, nem de muita confiança com as pessoas. Se alguém se aproximava, eu afastava-me, e tudo por uma simples razão. As pessoas são um veneno para as pessoas. As pessoas são mentirosas e tudo o que querem é o mal dos outros, mesmo que não o digam diretamente. As pessoas só se aproximam quando querem alguma coisa, e depois, no fim, fazem de tudo para acabar com a outra.

As pessoas não passam de uma mentira, criada por alguém, que curiosamente foi uma pessoa, ou talvez não. Talvez não passem de uma invenção criada aos nossos olhos, apenas porque gostamos de sofrer e de causar sofrimento a nós próprios. Porque o ser humano não passa de um asno que procura o sofrimento naquilo que inconscientemente pensa que lhe faz bem.

Por isso mesmo, eu nunca me aproximei das pessoas. Quer dizer, eu só me aproximei de uma pessoa e ela acabou por se ir embora, por minha culpa, porque eu a extingui com as minhas próprias mãos. Então eu era considerado um monstro. Mas, quem não o é? Todos somos, por isso eu só estava ali, a ocupar espaço. Porque assim como eu não me preocupava com ninguém, ninguém se iria preocupar comigo.

Eu estava a olhar para ela, e ela para mim, diretamente nos olhos. Os seus azuis, frios, como dois oceanos gelados a afastar quem por lá passava. Apesar do seu cabelo castanho, ela tinha uma cor clara, e isso dava-lhe um aspeto completamente diferente de todas as outras raparigas. Tornava-a mais autêntica e mais única. Fui obrigado a abanar a cabeça para afastar aqueles pensamentos e consequentemente, afastei o meu olhar do seu.

- É hábito fazeres coisas destas? - ela sentou-se na mesma cadeira onde estivera anteriormente e depois falou. Eu tinha-me sentado na cama e estava a tirar as botas.

- Que coisas? - perguntei sem olhar para ela. Eu queria, mas não podia. Porém...

- Meteres-te nessas coisas que destroem uma pessoa. - acabei por olhar para ela. Não cumprindo o acordo que tinha feito comigo próprio. Ela estava com os olhos um pouco inchados e as olheiras eram proeminentes, o que me deu a indicação de que não tinha dormido, ou tinha dormido pouco. - Mas certamente tens idade suficiente para saberes que isso é uma péssima opção de vida. - ela ficou uns momentos em silêncio. Talvez à espera de uma resposta minha, que não existiu. - Okay, como queiras. Também não estou preocupada.

Depois ela levantou-se e pegou na mala que estava pousada no chão. Dirigiu-se para a porta, provavelmente com o intuito de sair. No entanto eu não deixei que ela o fizesse e coloquei-me à frente da porta, impedindo-a de sair do quarto.

O olhar dela caiu em mim. Confuso.

- Hum... podes sair da frente ou vou ter de sair pela janela? - ela perguntou, com um tom carregado de ironia e de impaciência.

- Se eu fizer isto, - carreguei no interruptor que estava ao lado da porta e a janela fechou. - não consegues sair. - sorri sem vontade. - E também não podes sair. Não sem mim.

- Wow, calma lá. - levantou as suas mãos e deu dois passos atrás. - Se isto é algum tipo de cilada para me raptares, espero que saibas que é de muito mau gosto.

Se ela soubesse... Se ela soubesse que eu estava a mantê-la dentro de minha casa para ela realmente não ser raptada, ela iria deixar de ser tão segura de si mesma.

- Primeiro, eu não quero e muito menos tenciono raptar-te. Segundo, acredita que se saíres daquela porta podem acontecer coisas não muito agradáveis. - avisei tentando soar calmo.

- Tais como?

- Oh, não irias querer saber!

Andei até à outra ponta do quarto e peguei no Ten dos Pearl Jam, colocando-o na aparelhagem e avancei até à Black. Assim começou a tocar, coloquei o volume num som considerável.

Callous | h.sWhere stories live. Discover now