Capítulo 27

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A cada segundo em que tenho os olhos sobre ela é como se toda as páginas daquele dossiê voltassem a minha memória.
Todos esses anos sendo protegida da sujeira dos pais.
O jeito com que Mia mantém o olhar sobre o caderno eu me convenço mais de que ela não está prestando atenção na aula, coisa que só acontece quando seus pensamentos estão perdidos em algum lugar. Encosto a tampa da caneta do lábio inferior, me questionando em qual momento do nossa nossa separação esse problema maldito apareceu...
Meu desabafo no hospital ... Muito cedo.
Meu acidente, pouco provável.
Segunda feira ! E eu nem ao menos notei ...
O exato dia em que Anthony me ligou para ir buscar a ruiva em sua casa noturna. Tudo bem, eu não quis saber o motivo da ida dela até lá por ter medo de que a resposta envolvesse outro alguém, mas ela poderia muito bem estar tentado fugir do seu lado racional - pelo menos por uma noite - para evitar que seu coração se derreta com as palavras de Benjamim e Chloe, fugindo das desculpas ensaiadas que a deixaria desarmada diante deles.  Aquela noite foi mais do que sexo, foi amor de saudade e para ela ... Um momento de fuga do futuro que a esperava.
Eu ainda sou um refúgio para ela.
- senhor Grayson, pode me dizer em qual planeta o está ? Eu adoraria saber o que pode ser mais interessante do que a vida de Voltaire.- desvio os olhos para os óculos mal limpos do senhor Smith, molhando os lábios com a ponta da língua devagar.
- não é nada, eu só estava pensando demais. - abaixo a caneta, encostando as costas na cadeira.
- pense demais enquanto estiver fazendo suas anotações, isso vale nota Grayson. - levanto os braços para cima em sinal de rendição, mesmo não ligando muito para o que ele disse.
Volto a olhar para o lado, encontrando um par de olhos cinza azulados me encarando de canto. Por debaixo das lentes eles parecem cansados, cabisbaixos. O rosto sem maquiagem deixa evidente as pequenas olheiras, quase como meio círculos um pouco arroxeados logo acima das sardas das bochechas. Os lábios dela se curvam em um pequeno sorriso, um sorriso quase imperceptível se eu não a conhecesse bem o suficiente. Vejo seu corpo se endireitar quando ergo meu queixo, deitando a cabeça na parede para a observar melhor. Os cabelos dela parecem ter perdido as ondas, os fios ruivos agora estão um pouco mais lisos e aparentemente maiores, chegando a quase tocar seu quadril.
Mia deveria ter noção do quanto é sexy.
Eu não sei quanto tempo já se passou ou até mesmo se o sinal tocou ou não, mas quando me vejo ali, sozinho na sala de aula com ela é como se velhas memórias voltassem. Sem controlar meus impulsos me levanto, forçando as pernas a caminhar até ela. Mia não se espanta com a minha atitude, tanto até que se vira na cadeira, ficando de lado nela mas de frente para mim. Puxo uma delas para me sentar, virando a totalmente para apoiar os braços no apoio das costas e deixando minhas pernas abertas.
- eu preciso saber se você está bem...
Mia coça levemente a têmpora, talvez pensando se deve ou não me contar a realidade, questionando a racionalidade para me fazer acreditar que ela está tranquila.
Por favor, não minta para mim.
- os problemas estão aumentando Andrew... - suas palavras saem com sofrimento, a dor estampada em cada sílaba que sai de sua linda boca.
- eu posso ajudar ? - diga que sim !!
- não sei Andrew ... Eu não ando sabendo de muita coisa ultimamente e isso dificulta as coisas.
- quer me contar ? Sei que concordei em ficar longe mas não consigo não me preocupar com você.
As bochechas dela ganham um tom avermelhado, um tom que eu não vejo a um tempo por baixo dessas sardinhas. Mia morde uma pequena parte do lábio inferior, me deixando fissurado com o quanto eu sinto falta de morder esse lábio, de beijar essa boca.
Apenas uma noite não é o suficiente para matarmos a saudade um do outro.
- eu sei, mas ... Ainda não estou pronta para conversar com isso com alguém.
Com calma, levo minha mãe esquerda até a sua, a retirando de perto do tecido escuro da camisa e a trazendo até mim. Envolvo meus dedos nos seus, sentindo a eletricidade correr minhas veias com um contato tão próximo.
- ainda tem a senha do Flat ? - ela confirma com a cabeça. - quando quiser fugir dos problemas fique a vontade para ir até lá, não sei se você ainda tem o meu número ... Mas se tiver, me liga e a gente pode conversar.
Um estrondo acontece, solto a mão dela e me levanto imediatamente, o coração acelerado pelo susto.
- sabe que é proibido permanecer na sala após a aula sem um professor, não sabe Grayson ? - a voz do diretor Bennett me faz revirar os olhos. - ainda mais sozinho com uma garota.
- ainda estamos vestidos, isso significa alguma coisa para você ? - digo sério, sabendo que não fiz nada de errado.
Bennet suspira pesado, erguendo as calças do terno marrom sem graça e passando a manga do casaco na testa.
- okay Grayson, agora caia fora dessa sala e vá para o seu treino e enquanto a você senhorita Collins, sua aula de química a espera no final do corredor. 
Mia apanha a mochila, envergonhada pela situação e se levanta ajeitando as alças sobre os ombros. Os olhos desviam do senhor Bennett e se fixam em mim.
- até depois.
E assim ela segue em direção a porta, passando pelo diretor com rapidez e me deixando ali ... mas uma vez sem o que eu queria ouvir.

" "

Papéis, papéis e mais papéis.
A pilha de contratos em um dos lados da minha mesa está quase me deixando louco.
Como Anthony pode gostar tanto disso ?
Ficar enfiado em um escritório o dia todo cercado por contratos, propostas, relatórios de crescimento e dados de lucros não é divertido, na verdade, é entediante.
Meu pai parece estar feliz ao não ver os filhos quase arrancando as cabeças um do outro, sempre tenta nos deixar fazer coisas importantes juntos. Segundo ele eu tenho muito a aprender com a experiência de Anthony no mercado europeu, mas não tenho tanta certeza de que suas intenções são de apenas me deixar a par de tudo. Richard Grayson é tão manipulador quanto Anthony, e está tentando me arrastar para esse meio o mais rápido possível.
Se um filho conquista um império quase perdido em outro continente, por que não tentar isso com o outro ?
Lendo pela segunda vez um relatório detalhado das expansões do último semestre me dou por convencido de que a tática usada pelo meu pai até agora foi brilhante. Há um esquema enorme de trâmites administrativos nos quais ele arrecadou milhões em poucos anos, literalmente, ele sabe bem o que faz. Minha testa fica franzida quando levanto o olhar e encontro Anthony e uma garota parados em minha porta.
- não te ensinaram a bater na porta ? - digo rápido, largando as folhas em cima da mesa.
- eu bati, mas parece que você não ouviu. - sua resposta é rápida, tão rápido que até pode ser verdade.
- está bem, o que quer ?
Desvio meus olhos para a garota, a roupa social clara em seu corpo até a deixa bonita, tem a pele parda e os olhos castanhos. Os cabelos se resumem a cachos volumosos e bem definidos.
Okay, ela é muito bonita.
- essa é sua secretária a partir de hoje, o nome dela é Charlotte Evans e mesma aparentando ter pouca idade o currículo dela tem ótimas referências por parte de seus últimos empregos. - respiro fundo, querendo sacar qual é a dele.
- eu não pedi uma secretária. - digo seco, mais do que eu pretendia.
- não importa, só trate de se adaptar e a inteirar dos assuntos. - ele se vira para ela, sorrindo de forma cafajeste. - sua mesa está logo a frente dessa sala, qualquer dúvida pode ser tirada com Kylie no final do corredor, ou até mesmo na minha sala. 
Sério que ele já está de olho na minha secretária ?
Espera !!
Dizer " minha secretária " é tão estranho quanto as pessoas que usam " senhor Grayson " para se referir a mim, meu pai e Anthony.
Anthony sai da minha sala, deixando a garota parada na porta com uma agenda de capa rosa nas mãos.
- se quiser pode me ajudar com esses relatórios - aponto para a pilha de papéis, Charlotte apenas ergue o olhar e foca em meu rosto de forma desconfortável. - se claro, você se sentir confortável aqui dentro, mas se quiser pode levar alguns para a sua mesa e depois me trazer as considerações finais.
- não se preocupe, ficarei aqui. - a voz dela não me parece interesseira, ao contrário do tom de quase todas as mulheres que falam comigo. - por onde quer que eu comece ?
Me desencosto do encosto da cadeira e lhe entrego uma pilha de procedimentos que ainda serão discutidos na próxima reunião de hoje.
A terceira do dia ...
- pode usar uma marca texto para destacar as partes mais importantes, terei que estudar isso em quinze minutos para a próxima reunião.
- mas a sua reunião é daqui a meia hora. - ela interfere, se sentando em uma das cadeiras a minha frente.
- quinze para analisar as formas viáveis de que isso não me causará prejuízos e quinze para discutir com meu irmão e meu pai as melhores maneiras possíveis de convencer esses homens a colocarem seu dinheiro no negócio.
- seu irmão havia me dito que era inexperiente nesses assuntos. - Charlotte abre a agenda, arrancando uma caneta estranha de dentro da folhas e a puxando para escrever algo.
- eu sou, mas digamos que conviver a vida inteira com isso não me deixou leigo no assunto. - abro outro relatório, gostando de ver meu nome aparecendo em meio aos contratos com os italianos.
Isso está sendo mais gratificante do que eu imaginava.

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