Capítulo 49

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Não espero que eles terminem de assinar as outras cópias do contrato e já me levanto, ajeitando o paletó em meu corpo e respirando fundo. Tom apanha os papéis que ficarão conosco e aperta as mãos dos britânicos, me olhando de canto por alguns segundos antes de se despedir deles.
- foi um prazer senhores.
Me retiro o mais rápido que consigo, evitando de falar algo que não devo e acabar fodendo o resto do meu dia.
- sinto muito pelo atraso senhor Grayson.
- relaxe Tom, seu atraso não me causou nenhum dano.
- obrigado pela compreensão senhor.
Ele parece aliviado, estranhamente aliviado. As luzes já estão acesas, a noite já está caindo e a cada minuto que se passa eu não consigo descrever a sensação que me tomou no momento em que Brandon disse o real motivo da volta dos Collins.
Nem fodendo eles vão a levar.
Com passos rápidos chego ao elevador, agradecendo aos céus por não ter ninguém junto comigo. Sentir meu coração bater forte dentro do peito não é novidade, estar tranquilo por fora e em chamas por dentro tem se tornado cada vez mais comum para mim. Será que eu estou ficando ansioso ? Talvez sim, talvez não. Nesse exato momento a única coisa que eu queria era poder sentir o perfume dela de novo, mas não através de suas calcinhas roubadas por mim ou do camisão recheado de Bob esponjas.
Mas sim direto da fonte.
Depois de amanhã é a festa do McQuade e lá eu posso conseguir que ela fique perto de mim, seja durante a nossa futura conversa, seja durante um beijo caloroso cheio de saudade, seja durante uma dança que cole nossos corpos um no outro. De qualquer forma, sentir o cheiro dela direto da fonte é muito mais gostoso.
As portas do elevador se abrem e eu me coloco para fora dele para mais uma vez andar pela garagem e chegar até meu carro após um dia cansativo.
Quantos anos eu tenho mesmo ? Ah sim, dezessete anos, cinco meses e alguma dias. Porra, eu parei mesmo para contar isso ?
- que loucura.
Me enfio dentro do carro, esquecendo um pouco do barulho do mundo lá fora e focando apenas em chegar em casa antes de ter os pensamentos tomados pelo vazio.
Um vazio que me obriga a pensar demais em coisas idiotas.

Aperto o botão do controle mais uma vez, temendo estar deixando minha mãe nervosa ao trocar de canal novamente.
- que tal por aquela série que você assitia quando era mais novo ? Eu sei que você gostava de ver os médicos entrando em ação nas emergências dos hospitais.
A revista de moda em suas mãos foi um pouco abaixada, seus lindos olhos azuis me encarando de uma forma alegre. Ela sabe qual faculdade eu iria fazer antes de toda essa merda com o meu pai e por mais que ele esteja amolecendo, eu não conseguiria ter o mesmo entusiasmo de antes.
- já passei muito tempo desejando algo que não é para mim mãe. - largo o controle, não notando em qual canal deixei.
- como assim não é para você Andrew ? Desde criança você sempre soube exatamente o que queria ser.
A revista agora está sobre seu colo, a dúvida estampada em seu rosto.
- pessoas mudam de opinião mãe, e eu mudei a minha.
Na verdade, acho que não foi só a minha opinião que sofreu mudanças.
Me aproximo dela, depositando um beijo no topo da sua cabeça e me retirando da sala em seguida. Voltar ao assunto da faculdade não é algo que vai alegrar o resto da minha noite, falar sobre planos que foram criados antes dos meus dezesseis anos é tão doloroso quanto reabrir uma ferida mal cicatrizada.
Além de ser uma perca de tempo.
As luzes do corredor estão acesas, a porta do escritório do meu pai está aberta e por curiosidade resolvo ir até ela. Ao contrário do que eu pensei meu pai não está lá, escondido atrás da mesa escura, e sim Anthony com vários papéis nas mãos. Vê-lo assim novamente me lembra dos seus últimos dias nessa casa antes de partir para a Itália, a nossa briga por algo que eu nem mesmo sei se é verdade. Mas se não for, qual seria o motivo do seu ataque de fúria ?
- você mentiu para mim naquele dia, não foi ?
Me encosto no batente da porta, as mãos enfiadas dentro do bolso da blusa de moletom cinza. Pela primeira vez em anos Anthony parece pensar muitas vezes antes de colocar seus olhos em mim, o que confirma o que eu já pensava : aquela briga não deveria ter acontecido.
- eu não menti monello (pirralho), só me enganei.
- se enganou sobre o que ?
- confundi as palavras, interpretei mal as coisas e deixei a raiva subir a cabeça.
Suspiro pesado, entendendo que ver Anthony admitir algo dessa magnitude pode ser mais estranho que eu imaginava.
- o que eu li naquele dia maldito não foi um testamento, foi o contrato que você tanto se odeia por ter assinado. - os papéis são deixados sobre a mesa sem que ele desvie os olhos de mim.
- o contrato forjado pelo nosso pai para que eu ficasse na empresa.
- esse mesmo. Digamos que a minha falta de paciência ocasionou a má interpretação daquele documento, eu achei que ele iria deixar tudo nas suas mãos sem ao menos me dar a chance de tentar. E o resto você já sabe.
- eu mal cheguei da escola e você já saiu metendo a porrada em mim.
- e eu fui expulso de casa por isso, mas essa não é a questão. O fato é que mesmo depois de anos você ainda tenha vindo me perguntar sobre o assunto.
Minha boca fica ressecada e então eu decido andar até uma das cadeiras de frente para a mesa e me sentar. Várias perguntas rodam em minha mente, perguntas que eu não sei se quero fazer com medo de ouvir as respostas.
- não haveria como nosso pai deixar tudo nas mãos de uma pessoa só Anthony, seria loucura. Não sei o que se passava na sua cabeça naquele dia, não sei o motivo que teria te deixado tão bravo antes mesmo de chegar em casa mas, de verdade, eu não sei o que te fez acreditar que tudo ficaria nas mãos de apenas um Grayson quando se existem dois. - retiro as mãos do bolso, apanhando a caneta dourada de cima dos papéis e a girando em meus dedos. - além disso, não é isso que eu quero para a minha vida e você sabe. Vou ficar o tempo necessário para poder sair sem ter o decepcionado por nem ao menos tentar, depois disso pode assumir a sua tão sonhada posição naquela empresa. Só aparecer quando a minha presença for convocada.
Anthony não fala nada, apenas continua mantendo seus olhos ferozes em mim. Devolvo a caneta ao seu lugar, me levantado depressa e rezando aos céus para que a minha saída seja tão rápida quanto a entrada.
- eu sinto muito por aquele dia.
Minhas pernas travam próximas a porta, fecho os olhos e os coço devagar na intenção de ter certeza se que eu não estou imaginando isso.
- eu também. - digo logo, não me virando para ver qual expressão domina seu rosto durante um pedido de desculpas.
Uma cena que talvez eu nunca mais veja na vida.
- agora vai e finja que isso nunca aconteceu.
Rolo os olhos, rindo baixo antes de sair.
Esse idiota nunca vai mudar.
Volto pelo corredor, passando correndo pela sala para não chamar a atenção da minha mãe e enfim poder subir até o meu quarto com uma pergunta a menos na mente.
A janela do quarto dela está aberta, as cortinas claras quase saindo para fora por conta do vento. Molho os lábios  rapidamente, mordendo a parte inferior ao vê-la pentear os cabelos enquanto dança alguma música aparentemente lenta. Salto depressa ao sentir algo passar pelo meu calcanhar esquerdo. Olho para baixo e ali está ele, os pelos brancos como a neve se destacando em meio a luz baixa. 
- porra Charlie, como entrou aqui ?
Aliso meus cabelos, ainda nervoso pelo incomodo de ter me assustado com o bichinho que por sinal, já está um pouco maior do que eu me lembrava. Estico os braços, o pegando no colo e saindo de perto da janela, deixando com que Mia dance de forma melancólica sem uma platéia presente para apreciar o espetáculo. O gato ronrona de forma adorável quando começo um carinho singelo em sua cabeça e orelhas, os olhos azuis se fechando devagar para aproveitar o mimo.
- que bom que apareceu Charlie, eu precisava mesmo de companhia.

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