Capítulo 37

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Não sei quanto tempo se passou desde que ela colocou seus olhos melancólicos sobre mim, mas foi o suficiente para que um sentimento ruim caísse sobre meu peito. A sala parece silenciosa demais para uma aula tão interativa quanto essa, o único som emitido não passa das batidas da caneta na mesa ou tic tac do relógio.
É como se minha respiração voltasse ao normal no exato momento em que o soar do sinal me arranca do devaneio estranho em que esses olhos sofridos me colocaram, os pulmões se enchendo de ar, tomando para si a única coisa que realmente nos mantém vivos.
E eu agradeço por isso.
A saliva desde de forma desconfortável, causando uma pequena parcela de dor no final da minha laringe. Observo a ruiva se levantar, a blusa de mangas compridas me incomodando tanto como eu não pensava que iria incomodar. Aos poucos o local fica vazio, as carteiras voltam a ser o único obstáculo entre eu e a garota que amo e sinceramente, se elas fossem a única coisa que nos mantém separados ... Eu seria um tolo de deixá-la longe dos meus braços. Mia joga a mochila nas costas de forma delicada, arruma os óculos com a ponta dos dedos e enfim olha uma última vez para mim antes de se colocar a caminho da porta. Fecho os olhos e com a mão direita acerto minha testa. A decepção clara demais na forma com que me trato ao perceber que estou quebrando a promessa que fiz ao senhor Collins. Devolvo meu material a mochila, não me preocupando com o estojo caído aberto em meio aos livros. As canetas em total desordem dentro do espaço escuro.
Assim como os pensamentos em minha mente.
Fecho o zíper, cansado de me torturar com apenas um olhar. O vento sopra pelas aberturas das janelas, as cortinas balançam e arrastam o pouco que resta da minha paciência. Relaxa Grayson ! Não deve ser nada demais.
O celular toca em meu bolso, a vibração me causando ume leve irritação.
Secretamente eu odeio o modo silencioso.
Minhas sobrancelhas quase se unem ao não saber identificar o número desconhecido, me criando algumas dúvidas se devo atender ou não. Levo o aparelho próximo ao rosto.

- alô ?
- achei que não iria me atender rapaz.
- é, eu sei que pode ser meio estranho dizer isso mas, eu não esperava sua ligação. - me encosto na carteira próxima a porta.
- você me prometeu algo Grayson, preciso saber se está tudo bem.

Porra !
O que eu posso dizer a ele ?
" Desculpe, mas Mia terminou definitivamente comigo e seu filho se apossou da sua casa logo após a sua saída, o que dificulta o cumprimento da minha promessa. " ?

- a única coisa que eu tenho para dizer ao senhor é que volte para casa o mais rápido possível. - suspiro, temendo a reação dele ao ver o quão próximos seu filho e nora estão.
- pelo jeito ela não está sozinha em casa, não é ?
- não.
- estarei aí amanhã de manhã.
- Mia vai agradecer muito por isso.

Sem despedidas a ligação é encerrada, o sinal toca pela segunda vez e então eu me levanto para correr até a sala de francês. Não sendo capaz de esquecer por um segundo o vermelho dos olhos dela.
Empurro a porta, sendo alvo de olhares por alguns segundos antes de me sentar no fundo da sala. Deixo a mochila sobre a mesa para encarar melhor a garota ruiva sentada próxima ao amigo, Sam sussurra algumas palavras em seu ouvido e eu adoraria estar perto o suficiente para saber do que se trata.
- prenez le livre et ouvrez-le à la page cinquante-six. ( Peguem o livro e o abram na página cinquenta e seis. ) - e nesse exato instante, eu me arrependo de ter entrado nessa turma.
Raven passa pela porta acompanhada de suas fiéis adoradoras, os corpos quase sem cobertura alguma por conta do uniforme curto da torcida. Os copos de café com os nomes na frente chamam minha atenção.
Desde quando essas loucas bebem café ?
Estreito os olhos, retirando novamente o caderno da mochila sem interromper o contato visual com as Lionesses ( leoas). A felicidade em seus rostos é visível, os sorrisos só podem significar uma coisa.
Com certeza foram elas.
A senhora Jacobs se senta em sua cadeira, colocando os óculos e aguardando suas alunas sem noção colocarem as bundas nas cadeiras e fingirem que estão prestando atenção na aula.
- Mesdames assises. ( Sentadas senhoritas).
Os olhares são de deboche em direção a professora, o que deixa toda a situação ainda mais esquisita e desrespeitosa. A aula começa, as poucas palavras que entendo são anotadas no caderno.
- eu ainda não terminei com você Grayson. - largo a caneta, evitando de olhar para trás e encontrar o rosto dessa dissimulada. - muito menos com aquela ruiva sem sal.
- não tem nada melhor para fazer ? - digo já suspirando pesado.
- com certeza não, ver aquela vadia chorar pelos cantos é a melhor visão que a vida pode proporcionar.
Me viro rápido, sentindo meu coração quase me causar dor pela pulsação acelerada.
- eu disse para deixá-la em paz. - Raven sorri ardilosa, como se ouvisse algo engraçado.
- e desde quando eu faço algo que me pedem Andrew ?
Me aproximo de seu rosto, quase tão perto quanto na noite do baile. Sua respiração fica um pouco tensa, os olhos focados nos meus.
Ela tem que entender de uma vez !
- escuta, mas presta bem atenção. Eu nunca fui seu, nunca nem mesmo cheguei perto disso. Foi só sexo, sempre foi só sexo e eu sempre deixei isso bem claro. - a garganta dela se mexe, o bolo provavelmente descendo com dificuldade. - eu não sei quando você colocou na cabeça de que, de alguma forma, eu pertencia a você mas nunca passou de momentos. Atacar a Mia para me atingir não vai fazer com que eu volte a sentir tesão por você, na verdade, vai fazer com que o meu desprezo aumente. Pare com isso de uma vez !
Me afasto devagar, tentando ler em seus olhos se houve compreensão do assunto. Ela se levanta, as fitas vermelhas da sua saia caindo sobre a pele.
- chega a ser fofo ver esse seu lado protetor Andrew, mas não, eu não vou deixar a água de salsicha em paz até ter o que eu quero. - suas mãos param em cima da minha mesa, os cabelos dela deslizam pelos ombros. - eu só vou parar quando tiver você de volta.
Rolo os olhos, ignorando totalmente suas últimas palavras antes de ficar a sós com meus pensamentos.
- M. Grayson! ( Senhor Grayson !)
Volto a olhar para frente, percebendo que metade tá turma está focada em mim.
- sim ? - digo sem ao menos me preocupar com o motivo dessa chamada.
- Comme vous êtes tellement concentré en classe, citez quelque chose qui représente l'incertitude, mais en français. ( Como você está tão concentrado na aula, cite algo que representa incerteza, mas em francês.)
Paro pensar um pouco, não sabendo o que dizer ... Não sabendo o que pensar.
- Pour que tu sois avec moi pour voir le coucher du soleil sans que notre douleur soit plus grande que notre joie. De peur que vous n'abandonniez la lumière avant que l'obscurité ne touche même votre âme. De peur que l'amour ne soit lâche et ne se rende jusqu'au bout. Restez proche, ne le laissez pas tomber. ( Para que voce esteja comigo para ver o por do sol sem que nossas dores sejam maiores do que nossa alegria. Para que você não desista da luz antes que a escuridão toque sua alma. Para que o amor não se perca e vá até o fim. Fique perto, não deixe cair.)
- Profondément M. Grayson, je dirais que même trop personnel. ( Profundo senhor Grayson, eu diria que até pessoal demais. )
Sim, é bem pessoal.
Ainda mais quando a pessoa a quem eu me refiro, está sentada ali, entendendo tudo sem ao menos olhar na minha direção.

Empurro as portas duplas, as batidas do meu coração um pouco mais aceleradas por conta das lembranças daquela noite.
- atrasado de novo Grayson ! - o grito de Martin me faz fechar os olhos e desejar a morte ao pensar que ele vai me punir por três minutos de atraso.
- foram três minutos. - digo rápido, abrindo os olhos antes de levar as mãos até meus cabelos.
- quinze voltas na quadra. - o velho ignora minhas palavras, assim como eu deveria ter feito com as dele a segundos atrás. - de costas.
O sorriso louco em seus lábios chega a ser bizarro, os olhos do velho Martin brilham pela expectativa de me ver realizar a tarefa com excelência.
Por que todos acham que eu sou bom em tudo ?
Pego a mochila pelas alças, quase a deixando escorregar pelo chão enquanto caminho lentamente até o vestiário.

Será que ela se tocou ?

Ah, eu deveria estar me importando ?

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