16- Lembrança

381 55 171
                                    


Eu era criança, cinco anos de idade, estava na casa de campo da avó das minhas irmãs na Flórida, o outono havia tingido tudo de dourado, vermelho e cobre, o vento frio açoitava meu rosto com o cheiro das folhas que as árvores abandonavam no chão. Luísa estava debaixo de uma árvore com Laura, brincavam com algum jogo de tabuleiro, não me aproximei para descobrir qual, não iam me deixar tentar jogar mesmo. Ângela estava sentada no último lance da escada da frente da casa, escovava o cabelo de uma boneca preguiçosamente. Comecei a correr atrás das folhas que flutuavam ao vento, ria quando elas acertavam meu rosto e faziam cócegas, corri tanto que senti minha boca ficar seca, decidi ir até a cozinha e beber um copo de água. Atravessei a sala principal da casa, cheguei até a cozinha, Marge estava lá conversando com uma empregada mal humorada da Sra. Jane, impressionantemente elas pareciam estar se dando bem, ao que parece a simpatia de Marge vencera a cara de poucos amigos da mulher. Quando Marge me viu parada na porta me encarou com olhos gentis.

_Oi Crystal, está tudo bem minha querida?

_Quero água. _respondi sem fôlego por causa de ter corrido para chegar até ali.

Ela pegou gentilmente um copo de água e me entregou, o líquido desceu refrescante na minha garganta.

_Obrigada. _disse ao mesmo tempo que corria em direção a porta para sair para o jardim novamente.

Chegando na porta prestei bastante atenção na paisagem lá fora, estava tudo realmente perfeito, doía pensar que logo todas as folhas multicoloridas das árvores seriam reivindicadas pelo chão, o inverno logo chegaria com o seu carro branco e sepultaria o tapete colorido do chão, as outrora lindas folhas seriam reduzidas a podridão. Papai havia dito que os momentos na nossa vida eram semelhantes as estações do ano, poderíamos tentar viver as mesmas experiências todos os anos, aproveitar o natal, a páscoa e outras datas anualmente, mas nunca uma seria igual a outra. Assim eram as estações, todos os anos haviam o outono, primavera, verão e inverno, mas no entanto eles nunca se repetiam, sempre aconteciam de formas diferentes a cada ano, e era isso que as tornavam especiais, e também o motivo pelo qual temos que aproveitar cada um como se fosse o último. Papai havia me dado uma câmera fotográfica, eu a tinha trazido comigo, decidi ir pegá-la para tirar umas fotos da paisagem, assim ela iria embora, mas sempre eu teria uma lembrança dela.

Subi as escadas para ir até o quarto onde estava ficando, a biblioteca da Sr. Jane ficava no mesmo andar do que os quartos, ao passar em frente a porta de carvalho ouvi um burburinho de vozes abafadas lá dentro.

_... Eu cumpri com minha missão de mantê-la protegida até hoje. _papai parecia um pouco nervoso.

_eu sei Gheorge, esse não é o ponto em discussão aqui. _Uma voz segura como ferro respondeu.

_O ponto é que acreditam que eu não sou capaz de continuar fazendo isso.

O que será que parecia estar deixando papai ressentido?

_Não, o ponto é que pode acabar se machucando, logo eles podem vir atrás da menina, se isso ocorrer vão eliminar quem ficar em seus caminhos.

_ Eu assumo esse risco.

_E a sua família? _ o homem fez uma pausa medida, dessas que pessoas importantes costumam dar para que suas palavras adquiram mais ênfase. _Elas podem se machucar Gheorge.

_Posso mantê-las protegidas também. _papai parecia seguro. _Marcos, em toda a minha vida sonhei em poder fazer alguma coisa grande, agora que estou tendo essa oportunidade de ajudar, você quer me privar disso?

_Gheorge... _o tal de Marcos pareceu abrandar mais a voz.

_Não imagina como é ter conhecimento de uma origem totalmente extraordinária, e não poder fazer parte dela porquê por uma extrema falta de sorte ela é alheia a mim.

_São muitos riscos meu amigo. _Marcos disse aparentemente com certo carinho atrás daquela voz férrea.

_Já chega! É uma escolha dele Marcos, e ele já a tomou. _a voz gélida da Sra. Jane soou inconfundível atrás da porta.

Mamãe dizia sempre que ouvir de trás da porta era falta de educação, mas não pude resistir, aproximei meu ouvido um pouco mais da porta, fiz isso mais bruscamente do que o recomendado, acabei batendo a testa desajeitadamente na porta. Prendi a respiração, não, eles não podem ter ouvido. As vozes se silenciaram, mas pelo menos não ouvia passos em direção a porta, comecei a me virar devagar para sair dali, mas de repente a porta se escancarou.

Os olhos carvão da Sra. Jane me fuzilavam, pareciam estar brilhando de fúria. Como ela havia se movido tão silenciosamente?

Tentei me virar e correr o mais rápido possível para longe dali, mas quando comecei a ensaiar o gesto Sra. Jane me agarrou firmemente.

_O que está fazendo aqui? _me sacudiu rudemente pelos ombros.

_Eu... eu estava indo pegar a câmera. _minha voz saiu fraca e gaguejada.

_E resolveu escutar atrás da porta? _sua voz dura produziu arrepios em mim.

_Desculpe. _disse suplicante.

_O que ouviu?

Fiquei calada.

_O que ouviu? _me sacudiu novamente.

_O papai quer fazer alguma coisa perigosa e um moço não queria que ele fizesse. _lágrimas começavam a se formar nos meus olhos.

_O que mais? _nunca a tinha visto tão furiosa.

_Nada. _disse em um fio de voz.

_Diga logo. _uma calma falsa saiu da sua boca.

_Eu não sei de nada. _agora meu rosto já estava lavado de lágrimas.

_MENTIRA! _um grito inesperado desmanchou o último fio de calma que tinha. Explodi em soluços.

_MAMÃE! _gritei em meio a um choro alto e agoniado. _MAMÃE! _chorava compulsivamente ao mesmo tempo que gritava por socorro.

Papai saiu da biblioteca e me abraçou, Sra. Jane me largou.

_Eu... eu não, não sei... de nada papai. _disse soluçando.

_Eu sei meu amor. _ele disse segurando meu rosto nas mãos, seus olhos castanhos escuros me olhavam afetuosamente.

_Desculpe.

_Xi, xi, está tudo bem. _me ergueu do chão e me aconchegou no colo.

Papai começou a me levar para longe dali, mas antes de sair dali pude ver uma turva figura de um homem me olhar de dentro da biblioteca. Minha visão estava embaçada por lágrimas, a única coisa que pude captar da figura foi um par de intensos olhos azul marinhos. Quando perguntei a papai sobre quem ele era ele disse se tratar de um colega antigo de escola, e sobre o que eu tinha ouvido ele disse que eu havia escutado mal.

A Ordem Da LuaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora