07 - Daw, a modelo de sustentabilidade

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No dia seguinte, me vi buscando ignorar os sonhos o máximo possível

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No dia seguinte, me vi buscando ignorar os sonhos o máximo possível. Repeti várias vezes na minha cabeça que era indubitavelmente errado, porque ficava muito claro para mim e para o meu cérebro (muito teimoso) que eu não deveria pensar em nada daquilo e que foi só um sonho atrevido.

Por achar que seria o cheiro dela na cama, tirei todos os lençóis e joguei tudo dentro da máquina de lavar roupa, até mesmo as capas que vestiam os travesseiros. Era só uma precaução. Eu nem queria que me vissem passando com aquele monte nas mãos, mas foi inevitável, já que a lavanderia ficava no primeiro andar e ao lado da cozinha.
     — Fez xixi na cama, Harry? — meu irmão riu, todo bem humorado enquanto tomava o café-da-manhã. Bufei com aquilo e me senti tentado a falar o que realmente tinha acontecido; que, na verdade, eu tinha ficado excitado enquanto sonhava com a futura esposa dele. Ele não iria gostar de ouvir aquilo, certo?
     — Cala a boca.

Nem olhei para Melissa quando sentei com todos. Provavelmente eu estava vermelho e a minha mãe não deixou de perceber, o que me deixou mais desconfortável ainda, pois todos me olharam.
     — Está tudo bem, querido?
     — Estou ótimo.    
     — Você fez mesmo xixi na cama? — Henry se assustou, achando que aquele meu constrangimento era por conta daquilo. Não demorou para que vovó o repreendesse e lhe desse um tapa no braço.
     — É claro que não — eu disse, olhando pra ele —, deixei de fazer isso antes mesmo de completar cinco anos, cara, você ficou louco?
     — Isso é verdade — mamãe concordou.
    
Meu irmão se desculpou, deu uma risada e eu não pude evitar em dar uma olhada para a noiva dele. Melissa não continuava mais usando aquela roupa curta, é claro, estava vestida com calça, camisa social e saltos. Seus cabelos estavam soltos e ela usava uma leve maquiagem, algo que não tirava tanto o natural do seu rosto. Ela estava bonita.

No entanto, o sonho surgiu na minha cabeça novamente, o que provavelmente me deixou mais vermelho ainda.
     — Eu tenho que ir — avisei, sem quase comer nada, apenas pegando uma maçã e tentando fugir dali. — Tenham um ótimo dia.
     — Você quase não comeu nada, docinho — disse a minha mãe, preocupada. — Essa maçã não vai dar nem pro cheiro.
     — Eu como em outro lugar, mãe.
     — Ei, espera! — pediu Henry, antes que eu saísse da cozinha. Ele já se levantava, apressando a noiva que também pegava uma maçã. — Eu vou com você, daí aproveito e te levo antes até o meu prédio. Seu carro está lá no estacionamento.

Ele não esperou eu falar, apenas saiu, se despedindo dos nossos pais e da vovó, assim como Melissa. Eu não poderia negar, então segui junto com eles. Entrei no carro e sentei no banco de trás, pondo o cinto de segurança e pegando o celular, a fim de evitar um olhar que eu não queria.
     — E aí, qual o compromisso de hoje? — perguntou Henry, após dar a partida. — Vai até o seu apartamento ver a Victoria?
     — Não, vou dar uma olhada nas vagas de emprego. Na verdade, eu já tenho uma ideia de onde quero trabalhar, porque estou me preparando pra isso desde a faculdade, mas prefiro ver com os próprios olhos.
     — É mesmo? — Melissa logo tirou os olhos do espelho (ela estava retocando a maquiagem) e olhou para trás, onde eu estava. — Hoje é o meu primeiro dia de trabalho na Daw.
     — Sé-sério? — gaguejei, e logo dei um pigarro, buscando voltar com a minha voz. — Eu não sabia que a empresa que tinha aceitado o seu currículo foi exatamente a Daw…
     — Sim! — exclamou a mulher, sorrindo. — Por que não envia o seu currículo pra lá? Acredito que você já deve saber que ela é uma das melhores empresas no modelo de sustentabilidade. Eles estão procurando por pessoas que se importam com isso. Você se importa com isso, né?

A Daw era o lugar que eu pensava durante a faculdade... E isto porque ela sempre foi muito famosa; tinha o selo verde e o de responsabilidade socioambiental, assim como vários prêmios. Eu sempre quis trabalhar lá e criar uma carreira próspera, porém...
     — É claro que eu me importo, só que... — Mas quais seriam as chances de eu ser contratado? Provavelmente muitas, porque o mercado estava bom para economistas. Contudo, Melissa começaria a trabalhar lá e eu não sabia se era uma boa ideia dar de cara com ela quase todos os dias, tendo uma rotina (mesmo que indireta) de quase cem por cento por semana. Estar em um mesmo ambiente com ela passava a me deixar desconfortável. — É que eu tenho outras ideias em mente...
     — Você não sabe o que vai perder.

Eu sabia, sim.
     — Vai dar tudo certo — disse Henry, sorrindo pra mim pelo retrovisor. — Você está capacitado para qualquer coisa e, caso tenha dificuldades, vai conseguir ultrapassar isso. Estou aqui se precisar de algo. Se quiser que eu ajude a divulgar as suas habilidades…
     — Valeu, irmão — eu sorri para ele —, mas não precisa.
     — Você deveria mesmo enviar o currículo para a Daw — continuou Henry, após alguns minutos —, Melissa está certa, conheço algumas pessoas que trabalham lá e você se daria bem, vai crescer muito como economista.

E ele continuou falando e falando por mais um tempo, juntamente com Melissa, que concordava em tudo. Eu não tinha como correr daquilo, ainda mais porque eu não tinha desculpas para negar. Eles tinham razão em tudo, era isso.
     — Bom trabalho pra vocês — falei, após chegarmos ao prédio do Henry. Eles se despediram e seguiram para cuidarem de suas vidas.

Me identifiquei na portaria do prédio e recebi a permissão para pegar o meu carro. Henry tinha me entregado a chave e eu logo já estava dentro do veículo. Se eu tivesse tido consciência naqueles dias, com certeza sentiria falta dele. O Prius tinha sido o meu primeiro carro, eu mesmo o comprei com um dinheiro que economizei. Eu não lembrava do estrago que ele tinha ficado, mas ele estava novinho em folha de novo, o que me deixava aliviado.

Saí do estacionamento e segui para as empresas que faziam parte dos meus objetivos (as segundas opções). Antes disso, comprei mais alguma coisa pra comer, já que a maçã realmente não deu nem pro cheiro, e tomei o meu café-da-manhã no Prius. Era mais um passeio do que outra coisa, porque não era nada fácil ficar do lado de fora, enfurnado dentro de um carro e observando a movimentação.

De todos os lugares que estavam na minha lista – inclusive a Daw –, me imaginei trabalhando lá, tendo que acordar em um horário fixo durante seis dias, tomando o meu café-da-manhã reforçado e seguindo para a minha rotina de jovem adulto; usando um terno, levando café pra agradar o chefe e outros superiores (porque eu era daqueles) e buscando melhorar o mundo (ou pelo menos parte dele), utilizando a minha sabedoria e esforço.

É, parecia que o tempo tinha avançado de repente. Minha última lembrança era a confraternização da faculdade, uma despedida que os alunos combinaram. Conversamos por um tempão, tentando adivinhar o futuro, fazendo brincadeiras que talvez nunca mais faríamos, dizendo bobagens e sendo jovens. Eu estava bêbado, mas me lembrava daquilo como se fosse ontem.

Quando abri os olhos no hospital, achei que tivesse vinte e dois anos, mas na verdade eu tinha vinte e cinco. Eu mesmo, sentado dentro do meu Prius, do outro lado da rua observando o prédio enorme com aqueles vidros cintilantes. 

Minha vida mudou e as responsabilidades dobraram. O pior é que, além de ter perdido a memória de coisas que foram boas (e também ruins, as quais eu levava como experiências na vida), eu começaria a trabalhar sem nem mesmo me recordar do que aprendi no estágio, algo que poderia com certeza me preparar ainda mais. Eu sequer sei quem foi meu professor.

Eu estava mesmo preparado para aquilo? Tudo bem que, pra mim, a faculdade de quatro anos foi de extrema importância para eu me tornar o que eu me tornei. Contudo, mesmo assim, vendo aquelas pessoas entrando e saindo daqueles prédios, atarefadas, falando no celular e agindo como se o tempo fosse o seu inimigo, me senti inseguro. Minha perna não parava de mexer e eu estava suando. Rapidamente liguei o ar-condicionado do carro e fechei os olhos.

Tudo bem, fica calmo, você se preparou bastante. Não foi à toa que eu fiquei acordado até tarde digitando textos e mais textos no computador, ou organizando o que eu realmente iria dizer em apresentações, tentando ser o mais claro possível. Eu não deixei de ir às festas e me divertir com os meus amigos para, no fim, desistir, como estava acontecendo.

a new life • hs | book 2 (CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now