27 - Decisão

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     — Não precisa chamar a polícia! — falou o infeliz, rapidamente. Havia cortes e machucados no rosto dele e o seu nariz estava sangrando, assim como imaginei que eu estaria. Mas, no fim, só o que importava para mim era que ele estivesse sentindo muita dor. — Eu vou embora. 
     — Não vai porra nenhuma! — praguejei, querendo ir pra cima dele porém sendo impedido pelo segurança. 
     — Harry, por favor! — ouvi a voz da Nicole e senti as suas mãos no meu braço. Ela continuava chorando e parecia mais nervosa do que antes. — Deixa isso pra lá, a gente resolve depois. 
     — Mas… 
     — Vai embora logo, seu cretino — mandou ela, olhando pro cara, que não esperou muito para assentir e sair do apartamento.

Obviamente, fiquei perplexo. 
     — Você ficou louca? — perguntei, olhando para ela rapidamente. Nicole, no entanto, se aproximou do segurança, um cara bem alto e corpulento, e disse que estava tudo bem, que iria resolver o problema e que ele não precisava chamar a polícia. Quando o segurança saiu, quase explodi de tanta frustração. Simplesmente não dava pra ser pacífico naquele momento. — Você não pode fingir que nada aconteceu, aquele filho-da-mãe quase quebrou a sua cara!  
     — Escuta, ele só 'tava muito nervoso, e eu também fiquei provocando… — ela tentou se explicar, e então se sentou no sofá, muito quieta e assustada. Nicole já não chorava, porém continuava muito mal. — ‘Tá tudo bem, ele deve estar arrependido.

Percebi que aquilo era complicado e que não adiantava apenas gritar com ela, dizendo isso ou aquilo. Assim, respirei fundo, busquei a minha calma rotineira e em seguida fui ao banheiro, a fim de procurar por um kit de primeiros-socorros. Minutos depois eu já tinha buscado uma compressa de gelo para o nariz dela. Ao me sentar ao seu lado no sofá, observando seu semblante, entreguei a compressa e Nicole a colocou sobre o ferimento.  
     — Você fez aquilo tudo para eu me sentir na obrigação de excluir o seu vídeo com a srta. Lee? — perguntou, após alguns segundos de silêncio. 
     — É claro que não — olhei para ela, um tanto ofendido —, eu fiz porque sou contra qualquer tipo de covardia e injustiça. Meus pais me ensinaram isso desde que eu nasci e, depois de me tornar adulto e ter as minhas próprias convicções, concordo com eles. Eles estão mais do que certos, você não acha?

Nicole desviou o olhar de mim e tirou a compressa do nariz. Consegui ver uma mulher diferente daquela que estava me ameaçando. Aquela, mesmo que cabisbaixa e agredida, era ela de verdade, o que me fazia ver melhor o problema e tentar ajudá-la de algum jeito. 
     — Você não tinha que ter visto isso — murmurou, como se estivesse envergonhada consigo mesma (como se eu a visse sem pele). 
     — Mas eu vi — falei, e então toquei o seu braço, a fim de que ela me olhasse. — Olha, seja o que for, você não tem culpa. Desculpa nenhuma é explicação pra ele ter agredido você. Não existe explicação pra um cara te bater e te machucar. Você pode até traí-lo, gritar com ele, fazer o inferno na vida dele..., mas ele não deve levantar a mão pra você, entendeu? 
     — Isso já faz um tempo — falou ela, voltando a pôr a compressa sobre o nariz. Em seguida, Nicole passou a contar sobre a sua vida amorosa com aquele cara, que na verdade se chamava John. No começo era tudo lindo e ele não usava drogas, era um cara legal porém meio atordoado por conta da família desestruturada. Nicole surgiu na vida dele como um presente, só que ele acabou se perdendo na própria cabeça. John passou a usar drogas em dias de festa com uns amigos e, mesmo que não fosse viciado naquilo, Nicole nunca gostou, obviamente, já que para ela foi o ápice para a mudança dele. — Sabe, ele ficou agressivo e ciumento. Eu não podia sair sem ele, e ir para a faculdade já era meio chato por causa disso. No começo ele falava coisas ruins e depois passou a me empurrar. Em seguida ele passou pros tapas e, quando eu fui ver, já estava meio atolada naquele problema. Eu me sinto um nada. 
     — Para com isso.
     — Eu não sou uma boa pessoa.
     — Bom, mesmo que ache que não, você pode se esforçar e trabalhar para melhorar isso — eu disse, incomodado com as suas palavras. — Nicole, você não precisa da opinião, da aceitação ou da supervisão de nenhum babaca pra viver a sua vida. Esse John é só uma pedra no seu sapato e que fez você acreditar que precisava dele. Mas você não precisa dele, entendeu? 
     — Olha o que eu fiz com você, Harry, não te dei opções e forcei você a ficar comigo mesmo sabendo que você amava outra mulher!     
     — Você é um ser humano e seres humanos erram, alguns merecem uma nova chance e outros não. — Depois de ver aquela agressão acontecendo com a Nicole, não consegui mais odiá-la como estava odiando antes. E não tinha a ver com a chantagem, eu apenas vi quem ela era de verdade. Eu acreditava que ela pudesse esquecer toda aquela história do vídeo, simplesmente porque ela não era uma mulher fria, egoísta e promíscua. — Eu não sou Deus e nem posso melhorar tudo mas…, por favor, não pense que a culpa é sua ou dê alguma desculpa para o cara que bateu em você. 

Nicole ficou me olhando e depois suspirou, para em seguida assentir. Ela então me deu a compressa e eu a coloquei sobre o meu machucado próximo do olho. Aquilo doeu mas não era nada comparado com a dor que eu senti minutos antes, quando a Melissa falou aquelas coisas para mim. Eu só queria que as coisas ficassem bem, mas parecia que tudo seguia em rumo à direção daquele abismo dos meus pesadelos.

Nicole parecia pensar e eu não queria pressioná-la a nada, só o que eu sabia era que aquele John deveria ser preso.
     — Eu nunca gostei de nada disso — ela disse, e então se levantou, passando a pegar as coisas que haviam caído no chão durante a briga. Até um vaso de porcelana ali perto tinha quebrado e os cacos estavam sobre o chão. — Mas eu achava que precisava dele mesmo, pensei que ele iria mudar. Eu sei que é bobagem…, só que o John sempre dizia isso depois que se acalmava. Ele parecia mal mesmo…
     — Ele tem problema, é isso. 
     — Eu não sei o que fazer.
     — Você sabe, sim. — Nicole foi até a cozinha e pegou uma vassoura, juntamente com uma pá e um saco de lixo, a fim de pegar os cacos. Nesse intervalo de tempo, ela evitou me olhar. — Você não precisa ter medo, Nicole. 
     — 'Tá, mas e se ele quiser me matar depois que sair da cadeia? — perguntou ela, os olhos marejados. — Eu não confio nele, nem nos amigos dele. 
     — Ele vai ser punido se ousar se aproximar de você ou dos seus familiares e amigos, assim como qualquer um que queira fazer mal a você — eu disse, muito confiante com a lei. — Eu acho que ele tem um problema, mas não que seja louco. Ele sabe o que vai acontecer com ele, por que você acha que ele ficou com medo de alguém chamar a polícia aqui no apartamento? 

Nicole então ficou em silêncio, talvez levando em consideração as minhas palavras. Depois ela concordou comigo, respirou fundo e se aproximou de mim. Daquela vez, ela parecia mais positiva e com mais autonomia.
     — Você tem razão — disse, confiante —, eu já deveria ter feito isso há muito tempo, mas acabei tendo medo. Meus pais falavam a mesma coisa e eu não os escutei, só que agora eu estou envergonhada demais com isso por ter sido tão boba. Vou até a delegacia hoje mesmo. 
     — É isso aí — eu sorri, orgulhoso. 
     — Obrigada, Harry. 
     — Você não tem que me agradecer.
     — Sabe… — Nicole me fitou durante poucos segundos e o seu rosto mudou de branco para um vermelho leve. — Me desculpe pelo que fiz, eu passei mesmo do limite e estou muito arrependida, Harry. Sinto muito se fiz você se sentir mal com isso e o mínimo que posso fazer é não atrapalhar mais a sua vida. Vou apagar o vídeo e as cópias, e não vou mais forçá-lo a fazer o que você não quer. Você não merece isso.  

a new life • hs | book 2 (CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now