00| Onde está a comida?

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Afastei os meus estúpidos cabelos do rosto e bufei para o ar, repetindo a mesma ação pelo que parecia ser a milionésima vez e arrastei a minha pesada mala de viagem pela relva, não me dando ao trabalho de fazer qualquer tipo de esforço. Os meus olhos rapidamente pousaram na grande casa à minha frente, aquele que tinha sido o meu lar durante a minha infância retorcida.

Mordi o lábio e arrastei-me de forma contrariada até ao interior da casa, vendo móveis tapados por plástico e várias ferramentas espalhadas pelo chão.

"Cloe!", Ouvi a voz aguda da minha mãe gritar o meu nome. Fechei brevemente os olhos e respirei fundo, preparando-me mentalmente para aquele inferno, "Querida, não estás feliz!?", a minha progenitora agarrou na minha cara com ambas as suas mãos e apertou as minhas bochechas como se estas fossem algum tipo de brinquedo.

"Estou radiante!", Exclamei, dando um rápido revirar de olhos à mulher que me sorria como uma louca, "Aliás, eu nunca estive tão entusiasmada na vida!", Ironizei, desejando com todas as minhas forças estar dentro de um pesadelo que dentro de horas acabaria.

"Oh, querida...", A mulher murmurou, falando num tom condescendente, "Eu sei que gostavas de estar em Londres mas esta é a nossa verdadeira casa."

"Pois claro!", Afastei-me do seu toque, olhando à minha volta, "Eu adoro a Austrália! Adoro cangurus! Adoro calor! Adoro deserto! Adoro, adoro, adoro!", Gritei freneticamente, acabando por cair redondamente em cima de um sofá revestido por plástico.

A minha mãe soltou um suspiro e voltou a desaparecer, deixando-me ali plantada, com algo semelhante a raiva espalhar-se pelo meu sangue. Segundos depois, dois homens absurdamente grandes e musculados entraram pela porta, carregando com cuidado uma espécie de armário. Olhei atentamente para eles, mantendo-me ali quieta enquanto eles trabalhavam arduamente.

"Oh, por favor levem isso lá para cima...", a minha mãe voltou a aparecer na divisão, orientando os homens que entretanto tinham reparado na minha presença e lançado olhares pedófilos, "E tenham cuidado.", A mulher acrescentou, seguindo os homens pelas escadas acima.

Arregalei as sobrancelhas e dei um salto, levantando-me assim do sofá. Sentia-me nostálgica por ter voltado àquela casa que, temos de admitir, estava a cair aos pedaços. Tinha abandonado toda uma vida em Londres, deixando para trás os meus amigos, a minha escola, e, mais importante que tudo, a minha bela vista privilegiada para o Big Ben. E eu já tinha saudades disso tudo. Simplesmente não conseguia encaixar na minha cabeça a ideia de ter voltado à Austrália, às minhas raízes.

Dei um leve pontapé na minha mala de viagem, que continuava jazida no exato sitio onde eu a deixara, e caminhei até à cozinha. Assim que entrei na divisão, expeli um longo suspiro, começando a minha busca por algo que me pudesse reconfortar o estômago. Procurei em todos os armários, encontrando, nada mais, nada menos, do que ar.

"Mãe!", Gritei bem alto, dando um pequeno salto para me sentar na bancada fria, "Mãeeeee!!", Voltei a chamar, pousando as mãos naquela superfície, abanando freneticamente as pernas para trás e para a frente, como uma pequena criança faria.

"Cloe...!", A mulher apareceu à soleira da porta alguns minutos depois, olhando para mim de sobrancelhas cerradas. Ela tinha o cabelo desgrenhando, combinando com as suas roupas desalinhadas. Ela pressionou a palma da sua mão contra o peito, tentando regularizar a sua respiração ofegante.

"Estiveste a curtir com os homens das mudanças?", Indaguei, expressando, pura e simplesmente, desinteresse. A mulher arregalou os seus olhos de uma maneira quase sobre-humana e entreabriu a boca, parecendo chocada com a minha inocente pergunta.

"Cloe Marie!", A minha progenitora repreendeu, afastando algumas mechas do seu cabelo castanho para trás da orelha. Levantei ambas as minhas mãos em sinal de rendimento, focando-me nas minhas pernas balançantes. "Porque é que me chamaste!?"

"Oh...", iniciei, abrindo um leve sorriso, deixando-me hipnotizar pelos movimentos rápidos que os meus membros exerciam, "Não há comida. E se não há comida eu fico rabugenta. E se eu fico rabugenta, tu ficas rabugenta. E se tu ficas rabug-"

"Ok.", A minha mãe interrompeu o meu discurso, bufando discretamente, "Eu de qualquer maneira já sabia que isto ia acontecer.", Ela murmurou, parecendo não ligar à minha presença naquele momento.

"Podes, por favor, ser uma boa mãe e ir comprar-me comida?", Pedi, curvando o sorriso mais simpático que consegui fazer, olhando-a com esperança.

"Não.", A mulher respondeu simplesmente, parecendo satisfeita consigo própria. Não demorei muito a sair do meu transe, saltando de novo para o chão e franzindo o nariz da forma mais chocada possível. Entreabri a boca e coloquei-me à sua frente, preparando o meu discurso melodramático.

"Mãe! Tu não me podes fazer uma coisa destas!", Arregalei os olhos, elevando consideravelmente o meu tom de voz, "Eu preciso de comida! A comida é o ar que eu respiro!", Ajoelhei-me à sua frente e agarrei no tecido da sua camisa de forma desesperada, choramingando, "Sem comida em morro!"

"Posso acabar de falar!?", Elsa pediu, parecendo exasperada e ao mesmo tempo divertida com a situação, "Eu não vou mas vais tu.", Ela sorriu sinistramente, deixando-me rendida à felicidade.

"Oh!", Elevei as mãos no ar, agradecendo aos céus pela maravilhosa mãe que me havia calhado na rifa. Não tardei a envolver a sua cintura com os meus braços, encostando lá o meu rosto e sorrindo como uma perfeita otária, "Obrigada, obrigada, obrigada!"

"Assim aproveitas para matar saudades da cidade e pões a conversa em dia com o Michael!", Elsa exclamou sorridente, parecendo orgulhosa. Assim que o meu subconsciente processou aquela informação — e sobretudo aquele nome — dei por mim a engolir em seco, deixando-me paralisar.

"O Michael...?", Questionei lentamente, tentando manter a minha respiração estável, bem como o meu batimento cardíaco. Desapertei a cintura da minha mãe e abri a minha boca num perfeito 'o', olhando-a com inferioridade.

"Eu liguei-lhe assim que chegámos! Ele ficou tão entusiasmado por te ver!", Elsa saltitou como uma pequena borboleta, deixando-me cada vez mais agoniada. Queria gritar com ela e dizer-lhe o quanto a odiava por ter ligado àquela pessoa que me aterrorizava, mas, por qualquer motivo, não conseguia deixar de pensar em como a minha barriga roncava e no quanto eu precisava de comida.


*

Eu nem sei se isto conta como capitulo :s

Ok, digam-me só se devo continuar ou não :o

Ella xx


Social Casualty ಌ m.cWhere stories live. Discover now