32| Sentimentos instáveis

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O meu coração havia tomado as proporções de um buraco negro e, neste momento, todas as emoções e sentimentos que existiam há minha volta eram arrastadas para o interior do meu órgão vital, criando ondas intoleráveis de dor e de tortura. Os meus olhos haviam-se transformado nos dois maiores lagos alguma vez existentes e expeliam cruas e afiadas lágrimas, que escorregavam pela minha pele, tão gelada quanto um bloco de gelo. Estava tudo tão negro e colorido ao mesmo tempo. O doce sorriso de Michael tinha sido arrancado da minha mente e substituído por uma horrível máscara de infelicidade e desgosto. Não havia nada a fazer. Eu fui cruel, horrenda, insensata, estúpida. Tudo tinha corrido mal por minha causa e agora não havia nada que eu pudesse fazer para apagar o mal que já havia levado Leo para os anjinhos. Merecia morrer, merecia que Michael me odiasse, merecia tudo o que me pudesse fazer sofrer, só para compensar todos os erros que cometera. Era um castigo que eu merecia levar, apenas para me redimir de todas as desilusões que havia criado no sensível coração do rapaz de olhos claros, que agora fitava Leo como se este fosse um ser de outro mundo. Talvez fosse, agora.

"Desculpa...", solucei, num sussurro inaudível. Michael ergueu os olhos da tartaruga e pestanejou de forma automática. O seu rosto empalideceu e os seus olhos adquiriram um brilho quase sobrenatural. Era provável que o moreno estivesse a engolir todas as lágrimas que o consumiam, no entanto, a sua apatia não relevava qualquer sinal de desgosto ou tristeza. Ele só ficou ali, parado, a fitar-me de uma forma tão intensa que eu quase pensei que ele me estivesse a roubar a alma. Foi tão perturbador e doloroso que até uma morte lenta seria mais agradável que aquele contacto visual interminável. A única coisa que eu fiz foi conter a respiração. Talvez assim acabasse por sufocar na minha própria crueldade.

"TU ÉS TÃO IGNORANTE!", Michael cuspiu, numa gargalhada quase animalesca. Ele tapou o rosto com uma das mãos e inclinou-se sobre os próprios pés, rindo-se interminavelmente. O seu rosto outrora branco tomou um rubor exagerado e vi pequenas bolas de cuspo abandonarem os seus lábios inchados, que não cessavam de expelir gargalhadas altas e histéricas. Tudo aquilo me pareceu muito errado, contudo, mantive-me quieta como uma rocha, tentando compreender o que raio estava a acontecer. Estarei eu dentro de um sonho psicadélico onde os cogumelos vivem nas nuvens e os caracóis são na verdade avestruzes com antenas?

"Ahm...", cerrei as sobrancelhas, tentando chamar de novo a atenção do rapaz, que, durante aqueles dois minutos, ainda não parara de se rir. Aquilo começava a ser ridículo. "Caso não tenhas percebido, o Leo morreu. MO-RRE-U.", alterei o meu tom de voz, indignada. "IMPORTAS-TE DE RESPEITAR A ALMA DELE? MAS QUE TIPO DE PESSOA ÉS TU?!"

Michael, ouvindo o meu discurso desesperado, parou de rir e voltou a endireitar-se, lançando-me um olhar quase demoníaco. Achei que ele me fosse matar ali mesmo. No entanto, ao invés de me agarrar pelo pescoço e sufocar, Michael esticou os braços e puxou-me para um abraço, soltando um adorável riso aos meus ouvidos. Mas a que realidade paralela é que eu vim parar?

"Cloe." Ele aproximou os seus lábios dos meus ouvidos e, muito calmamente, sussurrou palavras lentas e sensuais, voltando a aquecer o meu corpo. Está tudo perdido. "O Leo não morreu."

Os meus olhos esbugalhados voltaram-se logo na direção do rosto do rapaz, que ainda não havia descolado o seu corpo do meu e, com um brusco gesto de braços, empurrei-o. Michael voltou a rir-se, divertido com toda a situação. Ele esticou Leonardo na minha direção e, com um ar orgulhoso, enfiou o dedo indicador dentro da carapaça onde a tartaruga repousava. Surpreendentemente, a sua pele verde viscosa e repugnante mexeu-se.

"Ok, isto é uma brincadeira, certo?", ri-me num tom sarcástico, sentindo as pernas bambas. "Não é possível que ele tenha ressuscitado, isso só acontece ao Jesus. Mas... mas. É possível que tenha vindo dos mortos? ELE PODE TER OUVIDO AS MINHAS PRECES!"

Social Casualty ಌ m.cWhere stories live. Discover now