45| Dia dos namorados

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Aquele tenebroso domingo tinha finalmente chegado, e eu não sabia se havia de explodir ou de me enfiar num buraco. O dia dos namorados sempre fora, na minha opinião, o pior dia da vida de um comum mortal. Primeiro, é o dia em que todos veem corações ilusórios, que os transformam em zombies lamechas e depressivos, e, segundo, é o dia em que todos os solteiros sentem aquela dor de não terem ninguém com quem partilhar uma doce caixa de bombons e um jantar à luz das velas. E, mesmo que esses solteiros se façam de fortes, afirmando que para eles este dia não passa de uma fantochada e/ou de uma piroseira para atrair os mais sensíveis, bem lá no fundo, eles sabem que são uns falhados por não terem conseguido cumprir os objetivos requeridos pela sociedade. Eu sempre me incluí neste grupo, como é óbvio, mas hoje, por alguma razão, tinha mudado de ideias.

Aproximava-se a noite e, com a sua chegada, a aragem de fevereiro, que nem nos arrefecia nem nos deixava muito quentes. Michael e Luke passaram o dia fechados no quarto do loiro a jogar videojogos, enquanto eu, afastada dos dois rapazes por alguns quilómetros de distância, vagueava pela cozinha e me alimentava dos mais variados chocolates, combatendo a dor miudinha instalada no meu quase coração partido. Karen e Elsa fizeram-me companhia durante a maior parte do tempo, apesar de também parecerem ter outros planos mais interessantes.

"Tu não podes ficar em casa hoje.", disse-me Elsa, enquanto limpava alguns pratos. Cerrei imediatamente as sobrancelhas, confusa com a sua afirmação tão inesperada e estranha. Nos seus lábios bailava um sorriso tonto, e, enquanto passava o pano sobre a loiça de porcelana, cantarolava uma melodia alegre, como se de repente tivesse engolido a poção da felicidade.

"Porquê?", interroguei, começando a ficar desconfiada. Não era costume ela agir assim, sobretudo nesta data.

"Bem...", calou-se por instantes, cessando por completo os movimentos que fazia com os braços. Os seus olhos fixaram-se num ponto à sua frente e vi-a franzir o sobrolho, desenhando várias rugas pela testa. "É dia dos namorados.", respondeu apenas, parecendo atrapalhada.

"E...?", insisti, inclinando os ombros. Isto não me está a soar nada bem.

"E tu devias sair.", concluiu, voltando a limpar o prato que tinha na mão.

"Porquê?", semicerrei os olhos. "Vais ter algum encontro secreto?"

"O quê!?", riu-se com nervosismo. "Não. Não, que parvoíce!", abanou a cabeça. "Mas a Karen... ela... ela vai?", aquilo soou como uma pergunta e eu soube nesse momento que Elsa estava a mentir, pelo simples facto de não o saber fazer.

"Podia ter sido ela a dizer-mo.", sorri maliciosamente, levantando-me. "Mas não te preocupes, mãe. Eu já tenho planos para esta noite."

"Planos?", virou-se rapidamente na minha direção, largando tudo para bisbilhotar acerca da minha vida. Já não fico admirada. "Esses planos envolvem um rapaz?"

"Não mãe, eu sou lésbica.", ironizei, acabando por revirar os olhos. Elsa lançou-me um olhar feroz e eu recompus-me, sabendo que com ela não se podia brincar. "Eu não vou revelar pormenores, por isso não insistas."

"És minha filha e eu ainda tenho poderes sobre ti.", cruzou os braços ao peito, parecendo chateada com o meu silêncio. Bem, ela não era propriamente o melhor exemplo, já que se servia da melhor amiga para encobrir os seus encontros amorosos.

"Pronto, ganhaste.", bufei. "É com a almofada."

"Para de enrolar, Cloe!"

"Mas eu estou a falar a sério!", tentei conter o sorriso que me queria curvar os lábios, o que não resultou. Desmanchei-me em risos e corri até às escadas, subindo-as à velocidade da luz. "PODES IR APANHAR UM RAMOS DE ROSAS AO JARDIM, SE FAZ FAVOR?"

Social Casualty ಌ m.cWhere stories live. Discover now