27| Álcool, tartarugas e demónios

807 85 7
                                    

Se me dissessem que Michael Gordon Clifford, o mesmo rapaz que eu empurrei num baloiço há dez anos atrás, voltasse a demonstrar qualquer tipo de afeto por mim, eu provavelmente acreditaria. Michael sempre foi o tipo de rapaz impulsivo, afetuoso, incapaz de esconder os seus sentimentos. Portanto, por todas essas razões, eu não ficaria admirada. No entanto, se descrevessem a situação pela qual acabei de passar, eu rir-me-ia e mandava internar essa pessoa na ala psiquiátrica. Apesar de não ter sido um momento duradouro, eu ainda não tinha conseguido parar de repeti-lo na minha cabeça. As minhas mãos tremiam, os meus joelhos fraquejavam, o meu coração palpitava e o meu corpo possuía um formigueiro incontrolável. Michael não quisera demonstrar afeto da forma romântica como vemos nos filmes; ele quisera mostrar algo mais. O rapaz que eu conheço desde sempre quisera passar uma mensagem, quisera provocar-me. Ainda conseguia ouvir o som da sua voz a ecoar nos meus ouvidos e, só por isso, queria subir as escadas, ligar a aparelhagem no volume máximo e deixar que a música ruidosa trespassasse o ritmo calmo da sua voz rouca. Contudo, eu desejava isso porque sabia que não se tornaria real. Eu nunca iria ter coragem para apagar da minha mente aquela música sussurrada, nem nunca me iria atrever a esquecer o seu toque no meu corpo. Mas podia fingir que não tinha acontecido, isso era certo.

Respirei fundo pela quinquagésima vez desde que Michael me abandonara e ganhei forças para arrastar o meu corpo até outra divisão. Estava consciente de que seria difícil olhar para Michael sem outro tipo de segundas intenções, porém, eu teria de estar preparada para o confrontar. Tinha quase a certeza de que este seu joguinho se devia ao facto ele saber os meus verdadeiros sentimentos por si, contudo, não podia - nem devia - especular acerca do porquê de Mike ter feito isto. Ele divertira-se e agora estava na altura de eu seguir em frente. Apesar de continuar estupidamente hipnotizada por ele.

"Um. Dois. Três. Quatro. Cinco." Contei em voz alta, na tentativa de acalmar os nervos que me consumiam. Tinha visto um filme onde faziam esta contagem para controlar a raiva, porém, percebi que nem tudo o que vemos é real e, mais uma vez, fui enganada pela ficção. Até posso contar até mil, mas nunca me vou conseguir acalmar. "Foda-se.", praguejei, quando dei por mim com o nariz colado ao chão.

"Cloe? Estás bem?", ouvi vozes atrás de mim e o barulho de algo forte, no entanto, estava tão zonza e tão envolvida no meu próprio mundo que nem consegui ver o que se passava à minha volta. Quando alguém agarrou no meu braço para me ajudar a levantar, reconheci imediatamente o perfume floral que preencheu os meus sentidos e sorri, aliviada.

"Então? Devias estar a pensar em algo mesmo interessante para teres tropeçado na carpete.", Karen riu-se, sacudindo a minha roupa amachucada. Olhei para ela sem conseguir expressar qualquer tipo de reação, lembrando-me somente do rosto do seu filho tão próximo do meu. "Cloe? Olá? Estás bem?", a mulher abanou a sua mão à frente dos meus olhos, tentando acordar-me do transe.

"Ah.", pisquei os olhos, procurando sinais de Michael. Ele nem devia sequer estar em casa. Provavelmente fugiu. "Sim. Eu estou bem... mais ou menos.", respondi finalmente, atordoada.

"Bateste com a cabeça?", Karen questionou, visivelmente preocupada.

"Não, eu estou bem.", forcei um sorriso, tentando convencer a mulher. "Onde é que está a minha mãe?"

"Oh, ela ficou no escritório a tratar de umas coisas. Papelada que nunca mais acaba.", riu-se. "Mas deve estar mesmo a chegar."

"Certo.", anuí, pouco interessada no assunto. "Eu provavelmente vou dormir.", balbuciei, meio confusa. "Não sei bem..."

"Aconteceu alguma coisa?" Karen estreitou as sobrancelhas e fixou os seus olhos claros em mim, fitando-me de uma forma expectante. Era como se ela pudesse adivinhar que o seu filho passara alguns minutos a roçar-se a mim e a cantar uma canção que mostrava o quão estúpido ele era. Mas Karen não podia adivinhar essas coisas. Não podia.

Social Casualty ಌ m.cWhere stories live. Discover now