36| Bela confusão

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Eu mereci aquilo. Eu mereci toda aquela ignorância e todo aquele desprezo, não só por todas as rejeições a que eu já o havia submetido mas, principalmente, para que eu pudesse aprender uma grande lição. Michael, apesar de parecer uma flor inofensiva, acabou por aprender muitos dos meus truques e isso agora virava-se contra mim, provocando um grande buraco negro no meu coração despedaçado. Ele vingara-se e eu não podia censurá-lo, mesmo que quisesse. Todos aprendemos à custa dos nossos erros e, infelizmente, eu só me apercebera disso quando já era demasiado tarde para remediar todas as merdas que eu fiz na vida. Isto, amigos, chama-se karma.

Enfim, depois de termos passado o resto da noite fechados no carro, tentando escapar à chuva cruel que entretanto se tornara violenta, Michael decidiu que o melhor a fazer era voltarmos para casa e esquecer o que tinha acontecido. Seria impossível ignorar toda aquela situação, contudo. Fora a primeira vez que eu abrira os meus lábios e deixara escapar das minhas cordas vocais aquelas declarações tão íntimas e verdadeiras; Michael fora o primeiro rapaz a ouvir tais vocábulos e seria completamente impossível apagar da sua mente tais momentos. Eu sabia que as suas afirmações não correspondiam à verdade, ele não podia esquecer.

A única parte realmente engraçada da nossa noite foi Luke, que conseguiu nada mais do que um desgosto de amor. Ele e Riley, assim como eu e Michael, passaram toda a noite juntos, rodeados de estrelas e de bafos quentes. Houve uma troca de saliva entre os dois e, segundo o loiro, ele até fora autorizado a tocar na rapariga de uma forma mais íntima. Mas isto são pormenores, claro. Quando as gotinhas de chuva ameaçaram a sua noite de sorte, Luke agarrou na grande Riley e, de uma forma romântica (ou talvez não), tentou correr com ela nos seus braços. O que aconteceu depois disso foi desastroso e posso dizer com toda a certeza que irá ficar para sempre gravado na memória da rapariga. Digamos que alguém rebolou pela colina abaixo muito graciosamente. Claro que após tais calamidades Riley abandonou o nosso companheiro de viagem, deixando-o quase à beira do suicídio mental. Luke, tal como na noite do pinguim assassinado, verteu um oceano de lágrimas e amaldiçoou o mundo, a relva molhada e a chuva, que até ao momento, ainda não tinha sido assim tão simpática para nós.

"Esta noite foi estranha...", ele murmurou, lançando um rápido olhar àquilo que o rodeava. Muito dormente e congestionado, Luke gemeu alguns vocábulos menos simpáticos e bateu com a palma da mão na sua testa pálida, contorcendo-se de dor. "Foi algo parecido a uma comédia romântica com uma pitada de drama."

"Acabou em desgraça.", suspirei, tombando a cabeça no encosto do banco. Michael conduzia em silêncio. "Uma autêntica desgraça."

"E ainda vai ser pior quando chegar a casa.", o loiro continuou a lamentar-se, encolhendo-se nos bancos de trás. "Mas onde é que nós tínhamos a cabeça quando decidimos fazer isto? Fomos tão estúpidos."

"A quem o dizes." Fechei os olhos, ignorando o arrepio que me trespassara a espinha. "O que é que eu vou dizer à minha mãe? Ugh, e o Richard... eu já nem lembrava do Richard."

"Vocês querem parar para comer?", Michael falou finalmente, mantendo-se sério e concentrado na estrada. Observei-o em silêncio.

"Eu não consigo comer nada agora.", Luke fez questão de avisar, "Tenho um buraco no corpo e sinto as entranhas dentro de mim a morrerem."

"Nojento.", franzi o nariz, "Mas compreendo perfeitamente essa sensação."

O silêncio voltou a atacar o interior daquele carro. Nem música havia sequer, era só o som das nossas respirações, tão lentas e moribundas, sem qualquer emoção. As ruas estavam desertas e havia um cheiro diferente no ar, como se a chuva tivesse repurificado aquela atmosfera tão húmida e pesada. Os prédios pareciam mais limpos e a relva mais verde.

Social Casualty ಌ m.cWhere stories live. Discover now