39| Íman atrativo de problemas

716 82 64
                                    

Michael é provavelmente o tipo de pessoa mais imprevisível à face da terra, e, para comprová-lo, haviam estes pequenos gestos que o rapaz adorava preparar com o intuito de deixar as pessoas felizes, porque ele tinha gosto em fazer isso. Michael não se contentou com o silêncio e prolongou o suspense, acabando finalmente por escrever os seus verdadeiros sentimentos num papel colado a um chocolate, algo que eu jamais imaginei que ele pudesse fazer. A partir daquela noite eu achei que já não havia esperança; aceitei a rejeição e tentei seguir com a minha vida da forma mais descontraída possível, ignorando os olhos provocadores do moreno e as suas palavras cobertas de segundos sentidos. Ele era uma peça solta de um quebra-cabeça indecifrável, e eu já nem me esforçava para tentar compreendê-lo, tendo certezas de que, no momento certo, iria facilmente entender a sua mensagem. Era assim na maior parte das vezes, e continuaria a sê-lo até à infinidade.

"A menina Grasman quer partilhar com a turma isso que tem aí na mão?" Tudo se evaporou na minha mente quando aquele apelido imundo que eu deixara de utilizar apareceu vindo do nada, e eu fui obrigada a erguer a cabeça para procurar quem o tinha proferido. Assim que o fiz, foi como se o meu coração parasse de bater. Vinte cabeças encontravam-se todas viradas na minha direção, como se eu fosse uma celebridade e todos quisessem analisar detalhadamente os meus defeitos e virtudes. "Ouviu o que eu disse?"

"Desculpe?", proferi, com a voz rouca e quebrada pelo nervosismo que começava agora a tomar conta do meu corpo bambo. Larguei o chocolate e engoli em seco, tentando focar-me na mulher de cabelos negros situada à frente do quadro. Ela não parecia muito satisfeita.

"A menina parecia tão concentrada. Aposto que não ouviu uma única palavra minha.", resmungou. Quis rir-me do seu sotaque carregado (ainda mais que o de Richard, acreditem), mas percebi que se o fizesse as coisas tornar-se-iam muito negras. "MAS SERÁ QUE A MENINA NÃO CONSEGUE OUVIR UMA PALAVRA QUE SEJA DURANTE MAIS QUE DOIS SEGUNDOS?!"

"O quê?", franzi o sobrolho, sem compreender realmente o motivo daqueles gritos. A face da mulher tornou-se vermelha e reparei que ela tinha até algumas semelhanças com Elsa. "Eu não fiz nada?", aquilo acabou por soar como uma pergunta, e toda a gente se riu. Mas quem é que estes camelos pensam que são?

"Não é permitida comida dentro da sala de aula.", a mulherzinha fechou os olhos e inspirou muito lentamente, expirando depois com um ar de quem me estava prestes a matar. Ela avançou por entre as carteiras ocupadas de alunos e chegou até mim, esticando depois a mão.

"Ah...", abanei a cabeça, continuando perdida no mundo. Não fazia a mínima ideia do que estava ela à espera que eu fizesse, portanto eu apenas choquei a palma da minha mão na dela. Naquele momento, os seus olhos transformaram-se em duas grandes bolas de fogo.

"ESTÁ A FAZER POUCO DE MIM?!" Eu juro que tentei controlar o riso, mas foi impossível fazê-lo quando tinha à minha frente a encarnação do demónio. A mulher tremia por tudo o que era lado e a sua pele parecia ter-se transformado num tapete vermelho. Só lhe falta mesmo um tridente e dois cornos. "EU NÃO ADMITO! NÃO ADMITO!"

"Sabe, eu estou um pouco confusa.", tentei controlar o riso, colocando a mão à frente da boca. "Eu não percebi que o que estava a dizer era assim tão importante e fulcral para a minha vida. Peço imensa desculpa por ter perdido o seu discurso emocionante, prometo que não volta a acontecer."

A única coisa que a mulher fez foi abrir a boca e ficar ali, escancarada a olhar para mim. Parecia estupefacta e prestes a ter um ataque cardíaco, mas eu ignorei essa parte porque, sejamos honestos, se ela tivesse de ir para o Hospital nós acabaríamos por ser dispensados e eu podia ir à minha vidinha.

Social Casualty ಌ m.cWhere stories live. Discover now