22| Dois animais vestidos de preto.

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O vento passava pelos meus cabelos à medida que o automóvel a cair de podre do meu companheiro de quarto cortava terreno por uma estrada de terra batida. Michael afirmava tratar-se de um atalho mas eu não me sentia muito confiante quanto às suas capacidades de orientação. No entanto, fechei os olhos e aproveitei a brisa que este final de tarde nos proporcionava, enquanto ouvia Luke falar acerca do quanto adorava uma tal banda chamada My Chemical Romance. Ele remexia nos CD's de Michael, espalhados pela consola central, enquanto tentava decidir se punha a tocar o The Black Parade ou o Three Cheers For Sweet Revenge. Como não conhecia nenhum dos álbuns limitei-me a permanecer em silêncio, esperando que Michael acabasse com o sofrimento do loirinho atraente.

"Eles são igualmente bons.", Luke lamentou-se, "São dois pedaços de genialidade. Não é suposto eu ter de passar pela crueldade impiedosa de escolher qual o álbum que mais quero ouvir.", ele choramingou, abanando os dois CD's nas suas mãos.

"Porque é que não nos limitamos a permanecer em silêncio?", questionei, mais para mim do que para os dois rapazes sentados no banco da frente. Eles tinham feito uma corrida infantil até ao carro para ocuparem os seus lugares e, como eu não corro, tive de aceitar viajar nos bancos de trás. Não estava de todo incomodada, até porque assim tinha espaço para esticar as pernas e não teria de conviver tão de perto com os dois animais vestidos de preto.

"Como é que tu podes dizer uma barbaridade dessas?!", Luke virou-se para trás com uma expressão de repreenda. Revirei os olhos e cruzei os braços sobre o peito, acabando por desviar o rosto para a janela mal lavada. "Michael, a beringela está a ferir os meus sentimentos e especialmente os sentimentos desta banda!"

"Ela não percebe nada disso.", Michael entrou finalmente na conversa, mantendo os olhos fixos na estrada enquanto manobrava o volante. O carro estava a levantar demasiada poeira e percebi que, se continuássemos por muito mais tempo neste caminho, o veículo podre acabaria mesmo por se desmontar devido às constantes vibrações do terreno irregular. "Ela só ouve música clássica. Não sabe o que é realmente bom.", o rapaz de cabelo preto continuou o seu discurso da treta, "Põe o May Death Never Stop You e mostra aqui à nossa amiguinha o que é bom para a tosse."

Luke fez o que o seu amante disse e procurou entre a pilha de CD's aquele que Michael tinha referido. Pousou os outros dois e abriu a caixa, retirando o disco. Enfiou-o na aparelhagem do carro, a única peça moderna que este possuía, e colocou o volume no máximo. Um solo de piano fez a introdução da primeira música.

"Como é que se chama esta música?", questionei, batendo o pé ao ritmo da melodia. Vi sorrisos aparecerem nos lábios de ambos os rapazes e indaguei para comigo o que raio tinha assim tanta piada. Luke voltou a virar-se para trás, desta vez para me fitar com uma expressão divertida no rosto.

"Fake Your Death", o rapaz proferiu, com a música a sobrepor-se à sua voz. Cerrei as sobrancelhas mas depois percebi que aquele era o nome da faixa que estava a tocar. Era estranho que ele me pedisse para eu fingir a minha morte. "Gostas, não gostas?", ele perguntou, de sobrancelha arqueada.

"Talvez." Quando a próxima música começou a tocar tive um vislumbre das músicas do Diabo que Michael tem por hábito ouvir e, devo dizer que ao início não fiquei muito convencida, no entanto, quando comecei a prestar atenção à letra, até gostei.

"Espera lá, tu tens esse cabelo todo alternativo mas não conheces os My Chemical Romance?" Luke voltou a virar-se para trás. Olhei para ele sem saber bem o que dizer e soltei um pequeno suspiro.

"Ela só pintou o cabelo ontem, não te iludas.", Michael esclareceu e Luke voltou a virar-se para a frente, permanecendo em silêncio durante uns minutos, enquanto a música tocava.

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