06| A causadora do caos

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 Uma coisa era certa: se eu corresse para o interior da casa, pegasse num balde com água e o lançasse sobre as chamas que teimavam em crescer rapidamente, extinguiria o pequeno incêndio e livrava-me de um sério problema. Mas, sendo eu a pessoa mais egoísta à face da terra, decidi manter-me afastada, observando de olhos arregalados.

Para ser sincera, nem me estava a custar assim tanto ver a minha casa ser destruída lentamente pelo fogo. Na verdade, foi o que eu sempre desejei. Aquela casa a cair de podre já não era um sítio onde eu gostasse de viver, portanto, existem males que vêm por bem.

Soltei um pequeno guincho quando ouvi o estrondo de algo a partir-se e, nesse instante, pareci acordar do transe. Apertei com força o tecido da minha camisola e cerrei as sobrancelhas, começando a ficar ligeiramente intoxicada com o fumo negro que provinha dali.

Os vidros da janela começaram a estalar, levando-me a dar múltiplos saltos para trás, mantendo-me o mais possivelmente afastada. Engoli em seco quando a porta da frente também foi invadida pelas chamas. Percebi que o fogo estava a alastrar-se rapidamente e, enquanto arranjava um local confortável onde me sentar, uma dor assolou-se-me no coração.

“Oh meu deus…”, proferi para mim própria, levando a mão até ao peito, “Os meus livros!”, exclamei, levantando-me num ápice, correndo de novo para a porta. Parei de me mover assim que dei conta que era impossível trespassar aquele monte de madeira sem morrer primeiro, portanto, sem mais opções, decidi pegar no telemóvel.

Os meus dedos estavam trémulos e isso notava-se quando eu tentava marcar o número. Gritei várias vezes, irritada com o facto de estar sempre a enganar-me na marcação. Só conseguia pensar no facto de a culpa ser toda minha e no castigo que eu iria obviamente levar depois de encarar a minha mãe. Mas uma coisa ainda não se me encaixava na cabeça: Como é que eu pude ser tão imprudente ao ponto de incendiar a minha própria casa?

Assim que lá consegui marcar corretamente o número, pressionei o telemóvel na orelha e andei de um lado para o outro, ouvindo ruídos estranhos e pouco favorecedores vindos da minha habitação em chamas. Durante alguns segundos ocorreu-me ir pedir ajuda aos vizinhos mas, quando caminhei na direção do portão, voltei para trás, chegando á conclusão que era demasiado estúpido ir pedir-lhes auxílio. Como se eles fossem mesmo acreditar em mim.

“Estou?”, Ouvi a sua voz rouca do outro lado da linha, provocando em mim um sorriso momentâneo. Engoli em seco quando percebi que não fazia a mínima ideia como explicar o que tinha acontecido, portanto, decidi apenas manter-me em silêncio. “Estás bem, Cloe?”, Michael indagou, carregando surpresa no tom. “Na verdade, nunca achei que me ligasses. Não respondeste à minha mensagem. Sabes, acho que estamos a fazer progressos. Eu sem-“

“Michael.”, Interrompi-o, levando a mão à cabeça. Respirei fundo e mordisquei nervosamente o lábio, começando a arrepender-me daquilo que disse apenas há algumas horas atrás. “Eu preciso de ti.”, Suspirei, proferindo as palavras com alguma dificuldade.

“Woah.”, Ele disse simplesmente, parecendo perplexo e ao mesmo tempo feliz. Conseguia imaginar um sorriso pretensioso nos seus lábios e isso apenas me deu vontade de vomitar, portanto, decidi ir direta ao assunto.

“Michael, a minha casa está a arder.” Revirei os olhos e enrolei uma mecha de cabelo no meu dedo indicador, esperando alguma reação da parte do moreno de cabelo azul.

“Ah-ah!”, Ele exclamou ao fim de alguns segundos, parecendo obviamente descrente na minha afirmação. “Claro, Cloe.”

“EU ESTOU A FALAR A SÉRIO! ”, Guinchei, saltitando sobre a erva. Há medida que o tempo passava o fogo continuava a alastrar-se, preocupando-me significativamente, pois não tardaria a que ele chegasse ao meu quarto e, consequentemente, aos meus livros. “MICHAEL, A MINHA CASA ESTÁ A ARDER!”

“Essa brincadeira tinha piada quando nós tínhamos 10 anos!”, Michael soltou uma risada e, seguidamente, ouvi um bocejo escapar dos seus lábios.

“Michael…”, Choraminguei, começando a desesperar. “Eu não estou a brincar, juro por Deus!”, Elevei o rosto até ao céu e observei-o. O calor parecia ter aumentado e sentia o meu rosto encharcado de suor. “Por favor, acredita em mim!”

A linha ficou silenciosa por alguns minutos. Sentia-me cada vez mais em pânico, provavelmente deveria ter ligado aos Bombeiros primeiro…

“Espera…”, ele murmurou, pensativo, “Estás mesmo a falar a sério?”

Assenti com a cabeça, ainda que ele não me pudesse ver, e respirei depressa, “Sim! Michael, eu preciso de ajuda!” Engoli em seco, voltando a sentir uma enorme dificuldade em dizer aquelas palavras. Eu estava mesmo a pedir ajuda ao rapaz que mais quero manter afastado. Alguém, por favor, me tire desta vida miserável!

“Eu juro, Cloe! Se isto for mais uma brincadeira parva, eu arranco-te os cabelos!” E dito isto, a chamada terminou. Senti-me um pouco ridícula por nada daquilo ser apenas uma brincadeira e, enquanto esperava por auxílio, imaginei a reação de Michael ao perceber que tudo aquilo era verídico. Soltei uma breve gargalhada mas logo senti lágrimas nos olhos. Sentia que estava a chegar ao fundo.

Tudo aquilo que me preocupava eram os meus preciosos livros. Sentia uma dor no peito sempre que imaginava aquelas milhares de páginas em chamas, a serem destruídos devido à minha capacidade de foder tudo. E era isso que mais me arreliava; era saber que eu tinha sido a causadora do caos.

Depois daquilo que me pareceu uma imensidão de tempo, ouvi finalmente o ruido ensurdecedor da lata velha do Michael – o qual ele insiste em denominar de carro – a aproximar-se. Não perdi tempo em erguer o meu corpo do chão, feliz com a ideia de ter alguém com quem partilhar a culpa que teimava em penetrar cada um dos meus neurónios.

Michael adentrou pelo jardim num passo deveras apressado, levantando os braços durante o processo. Ele trazia os olhos arregalados, olhando fixamente para o incêndio que já tinha dominado grande parte da habitação. Ele correu na minha direção, boquiaberto.

“OH CARAÇAS, CLOE!”, Ele gritou, parecendo ligeiramente aterrorizado. Rodei a cabeça e olhei-o com alguma hesitação, reparando que o seu cabelo azul era agora roxo ou lá que cor era aquela.

“Linda cor. Pareces aqueles monstros horríveis daquele filme horrível.”, Cerrei as sobrancelhas, começando a sentir-me fraca e zonza. Não conseguia parar de transpirar devido ao calor que se fazia sentir naquele lugar e isso estava a assustar-me.

“CLOE, A TUA CASA ESTÁ ON FIRE E TU SÓ CONSEGUES REPARAR NA COR DO MEU CABELO!?” Ele voltou a gritar, lançando cuspo para a minha cara. Não me importei muito, visto que toda a minha pele já se encontrava suficientemente peganhenta.

“Ew, realmente. Porque raio é que eu reparei nisso?”, Franzi o nariz, arrastando as palavras, “Michael?” Pestanejei lentamente, mantendo o contacto visual.

“Huh?”, Ele exasperou.

“Tenho a ligeira impressão de que vou desmaiar.”, Admiti, curvando um pequeno sorriso. Michael não perdeu tempo em agarrar-me pela cintura, aproximando-me do seu corpo. “Oh, não te aproveites de mim. Estou vulnerável.”, Murmurei, acabando por fechar os olhos e cair na escuridão.

*

Yah, eu sei... É tãooo ew.

Ella xx

Social Casualty ಌ m.cWhere stories live. Discover now