38| A cura de todos os males

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Esqueçam tudo o que sabem acerca de sofrimento, tortura ou azar, porque neste momento, a realidade da minha situação obrigava à definição concreta destas maravilhosas palavras que designavam perfeitamente aquilo que eu estava a sentir. Estava a sofrer na pele o sofrimento de ter de conviver não sei quantos meses com uma pessoa que eu odeio; estava a sentir a tortura de ter de olhar para a sua cara todos os santos dias até à minha tão aguardada morte, e estava a sentir o azar que me acompanha desde nascença, proporcionando à minha pessoa agradáveis momentos de destruição e horror. É claro que tudo isto não me passou ao lado, e uma avalanche de emoções retorcidas atacou o meu subconsciente como agulhas a perfurar a carne do meu corpo, agora tão frágil e frívolo. Eu já suspeitava que algo deste género me pudesse acontecer (até porque eu não seria a Cloe se a minha vida não fosse uma montanha russa de surpresas desagradáveis) e isso ajudava a atenuar o pânico, apesar de tudo.

"Levanta-te, vá.", Luke puxou o meu braço, esboçando uma careta ao ver a minha figura tão anormal de joelhos estatelados naquele chão sujo. Ele grunhiu e eu senti os meus ossos estalarem, o que provocou mais alguns gritos da minha parte. Todos pareciam reparar no espetáculo gratuito que eu lhes proporcionava. "Cloe, estás a envergonhar-me!"

"MAS LUKE...", abanei a cabeça, sem saber o que dizer. Já não tinha palavras que expressassem a impaciência e o desânimo em que me encontrava. Ele só revirou os olhos, continuando a sua missão de tentar erguer-me. "EU ODEIO A VIDA. ODEIO O DESTINO. ODEIO A MULHER DA SECRETARIA."

"Ela não tem culpa.", suspirou, desistindo de me mover. "Ninguém tem culpa." Com um movimento dramático, rodei a cabeça na direção do Loirinho Atraente e fitei-o em silêncio, tentando encontrar algo de positivo na minha situação tão triste. "O que foi?"

"Tu és tão cruel.", funguei, pousando as mãos no chão de modo a levantar-me mais comodamente. "Quem é que me vai defender?"

"Como assim?", Luke arqueou a sobrancelha, como se não entendesse o motivo do meu melodrama. Estas pessoas conseguem ser tão insensíveis. "Tu não precisas que ninguém te defenda, Cloe."

"DEIXA-ME RIR.", berrei nom tom sarcástico, mantendo uma expressão séria enquanto puxava as calças para cima. Dei um jeito no cabelo e suspirei, reparando no burburinho à minha volta. "Mas qual é o problema desta gente, também?", revirei os olhos, ignorando todos aqueles jovens desconhecidos.

"Ouve, a Abigail pode ser muito cabra mas não é como se ela fosse espetar-te uma faca pelas costas e assassinar-te a meio da aula de Inglês." Luke bufou, tentando expor o seu adorável ponto de vista. Ele enfiou as mãos nos bolsos e caminhou em frente. "Ela não é assim tão má como parece... Devias dar-lhe uma oportunidade."

"Ela é tua prima.", franzi o sobrolho, "E portanto eu não acredito numa única palavra que tu digas."

"Que bela estratégia.", ele voltou a respirar profundamente, vagueando pelos corredores cheios. "Onde é que o Michael se meteu?"

Olhei em volta e encolhi os ombros, sem sinais de uma cabeleira negra à vista. "Sei lá. Ele desapareceu?"

"Se eu soubesse não estava a perguntar onde raio ele estava.", revirou os olhos. Já não estou a gostar da forma como este pinguim me fala. "Estranho... mas onde é que aquele anormal se meteu?", ouvi-o murmurar para consigo mesmo.

Suspeitava que Michael tivesse fugido do pequeno escândalo que eu causara há segundos atrás, o que não me admirava. Ele tinha vergonha de mim, e, por mais que ele pudesse negar, eu sabia perfeitamente que a minha boca grande e os meus gestos dramáticos afastavam o rapaz de olhos azuis esverdeados. Como naquele dia no supermercado, ele nem sequer impediu que o segurança me levasse para longe de si, limitou-se só a fazer as suas compras e a caminhar alegremente sem mim. Michael tinha vergonha e eu farejava-a a quilómetros de distância. Provavelmente os seus amigos gozariam se me vissem consigo e as raparigas voltariam a ter nojo dele, como acontecera no nosso primeiro ano de escolaridade. A história repetia-se pela segunda vez e eu não podia estar mais preparada para o derradeiro desafio: enfrentar o tenebroso secundário sozinha.

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