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Turim, Itália

Três anos depois

Passei a minha vida inteira em Turim. Cresci pelas ruas históricas que compõem a capital de Piemonte, aqui no norte da Itália.
Uma região fria o suficiente para me fazer não querer ir à escola quando era menino e me alegrar fortemente sempre que a época da neve chegava.

A Elisa ama a neve. Ela sempre amou. E mesmo quando tudo foi turbulento na minha infância, eu ainda sentia alegria quando chegava o inverno e podíamos colocar as nossas botas de neve e ir lá para fora ver o gelo derreter enquanto tentávamos transformá-lo em um boneco com nariz de cenoura. — Cenoura essa que roubávamos da cozinha da Sarita.

Contudo, agora a neve parece só um paredão branco que me impede de sair de casa e prosseguir com as minhas buscas.

E isso me irrita profundamente.

— Você já roeu tanto essa unha que acho que você já está comendo seu próprio dedo.

Nem preciso me virar para reconhecer a voz zombeteira que me acusa. Daiane. Sempre ela para me tirar do meu torpor.

— Não quero mais curativos. — Murmuro, saindo de perto da janela.

Estamos no meu escritório. Uma sala grande o suficiente para comportar muitas prateleiras de livros, duas poltronas, um carpete escuro no piso e a minha mesa de mogno que está repleta de projetos que preciso dar andamento.

Adiante a lareira está acesa, mas ainda faz muito frio.

— Ruggero, seus dedos estão inflamados de tanto você ficar roendo as unhas por causa da ansiedade. Desse jeito você nem vai conseguir continuar trabalhando. Outro dia estava sangrando e muito machucado, eu vi. Tem que fazer os curativos!

Eu deixo o ar frio dos meus pulmões saírem pelo nariz e me sento na minha cadeira, observando-a se aproximar com uma caixinha branca cheia de pomadas e esparadrapos.

Daiane está pegando as manias da Sarita!

— Desde quando você se tornou enfermeira mesmo?

Ela dá uma risada e joga em cima de mim um pacote de algodão.

— Você sabe que eu não levo jeito para essa merda. Mas eu estou quase arrancando os meus cabelos de tanto tédio, então preciso me ocupar de algo até ir à clínica visitar a Eli.

— E você acha que para matar o tédio precisa ficar jogando álcool nas minhas mãos machucadas até eu reclamar de dor?

— Exatamente! Tem sido o ponto alto do meu dia fazer homem grande chorar.

Não quero rir, mas acabo fazendo isso.

— Me diz uma coisa, você se lembra que dia é hoje, não é?

Percebo que o semblante de Daiane se fecha ligeiramente. Nós dois passamos tempo o suficiente junto aqui na Itália para que eu a conheça muito bem. Nos últimos anos ela tem sido a chama de esperança que eu preciso. Só ela conhece a minha esposa tão a fundo quanto eu, e sempre que um dia parece difícil demais, Daiane me diz algo sobre a Karol e as forças me são devolvidas.

E o contrário acontece também. Há momentos que percebo como ela fica desesperada e são nessas situações que preciso ser forte por nós dois e pela Sarita e a Elisa. Não podemos desabar todos.

E justamente por conhecê-la melhor agora, observo como finge procurar algo na caixinha quando na verdade está tentando domar as emoções para não derramar sua tristeza em cima de mim.

Fuego En La Sangre - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora