• Onze

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Sol

Deixo o meu carro no estacionamento e me olho uma última vez no visor do celular para ajeitar algumas mechas do cabelo. Parece bom. Abro um sorriso para a minha imagem refletida na tela escura e depois assinto para mim mesma, guardando o aparelho na bolsa em seguida.

Com o queixo empinado e passos decididos, cruzo o portão e sigo reto, atravessando um jardim coberto por uma fina camada de neve. O frio está aterrador hoje e já me arrependo de não ter pego o cachecol para usar além do sobretudo preto que vesti por cima do meu vestido.

Minhas botas fazem barulho quando entro na recepção.

— Bom dia, Clara! — Exclamo, apoiando-me à ilha de mármore. — Como vai? Acho que vem uma boa tempestade, hein!

— Bom dia, senhorita Ivana! Como está bonita hoje!

Passo as mãos pelos fios curtos e lisos que compõem a peruca que trago fincada na minha cabeça.

— Obrigada, querida. — Dou uma piscadela, rindo. — E então, tudo calmo por aqui?

Clara me passa um adesivo e eu o colo sobre o tecido da minha roupa na altura do meu seio esquerdo. Como sempre.

— Por incrível que pareça, está tudo sob controle. — Ri. — Acho que teremos uma sessão de cinema, sabe? Vai ser bem legal, deveria ficar.

Olho para o meu relógio de pulso. Dez e meia.

Torço o canto da boca.

— Eu não posso. Só passei aqui rapidinho. Você sabe que preciso trabalhar.

Ela assente.

— Eu entendo, senhorita.

— Bom, — Ajeito a alça da minha bolsa e solto o ar com força. — Vou subir. Qualquer coisa...

— Eu sei. Eu te dou um toque. — Clara pisca o olho pra mim e eu a agradeço antes de ir.

Sigo pelo caminho de sempre e subo as escadas enquanto me agarro ao corrimão. Essas botas são mais altas do que as outras e ainda não me acostumei com elas. Além do mais, os óculos falsos que uso não são exatamente legais comigo, porque apesar do cara que me vendeu ter dito que não tinham grau, eles tinham sim! Eu vivia tropeçando por causa dessas merdas.

— Toc, toc. — Digo, batendo com as costas do dedo indicador na penúltima porta do corredor que entro. — Tem alguém aí?

Ouço um barulho de água correndo, mas logo para.

A porta que leva até o banheiro se abre e imediatamente vejo um lindo rosto aparecer.

— Ivana! Você veio!

Deixo a minha bolsa em cima da cama e abro os braços, recebendo um delicioso abraço que tem sido um dos meus maiores apoios nos últimos anos.

— E como pensou que eu não viria? — Digo assim que me desvencilho dela. — Hoje era o meu dia de vir, você sabe, Elisa.

Seu rosto está corado e ela sorri.

Há tanta inocência transbordando de seus olhos azuis, tanta luz...

— Você... poderia estar ocu...ocupada.

— Claro que não. — Agarro sua mão, puxando-a para se sentar na cama comigo. — Eu sou voluntária aqui para contar histórias aos pacientes, você sabe. Então como eu poderia vir até aqui e não falar com a minha amiga? Já faz dois anos e poucos que essa é a nossa rotina.

Elisa assente.

Ela acaricia o meu cabelo ruivo falso. Quer dizer, a peruca é bem real até. Os fios são brilhosos e sedosos, além de serem bem cuidados, mas, ainda assim, Elisa sempre estreita um pouco os olhos me observando, como se suspeitasse de algo.
Por isso, mesmo que fosse errado, me cadastrei aqui com um nome falso, um visual distorcido que implica em roupas mais escuras e discretas, além de uns óculos horrendos e esse cabelo chamativo.

Fuego En La Sangre - Livro 2Where stories live. Discover now