● Quarenta e Oito - Penúltimo

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Santiago admirava o trabalho que havia feito. Ele sabia que precisou sim de alguma ajuda de Davi, mas até que as correntes que chumbaram à parede na lateral da cabana eram ótimas.

Apesar do frio terrível que fazia e que o fazia bater os dentes, o paisagista estava contente.

Ruggero ainda estava desacordado, mas logo voltaria a si.

Os braços do homem estavam estendidos, presos, bem esticados. As algemas em volta dos pulsos de Ruggero poderiam até estar apertadas, mas era um cuidado extra para evitar uma possível fuga.

As pernas do engenheiro ficaram numa posição estranha, mas que culpa Santiago tinha? Ruggero era muito pesado e, sinceramente, foi quase impossível arrastá-lo para fora com aquela bengala e aquele corpo cheio de limitações. Foi quase um milagre que tudo deu certo.

Milagre... Santiago gostava dessa palavra. Se sentia um.

Ele ponderou um pouco, pensando...

Finalmente teria sua vingança, aquilo que tanto aguardou. E como era doce experimentar isso. Era quase... como em seus sonhos.

Todavia, Santiago se sobressaltou ao ouvir um barulho de tiro.

Ele sabia que muitos moradores que ficavam ligeiramente perto dali viviam armados, mas não esperava que alguém fosse se aventurar numa caça que claramente seria mal sucedida num dia como aquele.

O vento era barulhento, fazendo a neve dançar no ar.

Gelo se acumulava nas beiradas das telhas e gotículas de água pingavam no rosto de Ruggero, despertando-o aos poucos.

O engenheiro parecia estar ficando roxo.

Talvez isso fosse culpa de Santiago, ele tinha que admitir, afinal, deixar Ruggero apenas de calça era arriscado. O peito nu do amigo estava ficando coberto de neve e a respiração ia diminuindo, lenta, lenta...

— Deixei de calça porque seria bem embaraçoso ser encontrado com as partes intimas de fora, não acha? Muita humilhação. Até eu tenho limites. — Brincou quando Ruggero abriu os olhos, ainda relutante, tremendo. — Que foi, muito frio? Caramba, eu sei! Sinto muito.

— S-sant... S-santi...

— O que foi, Rugge? Pode falar, fala pra mim, o que você quer? Qual é o seu último desejo? Eu posso atender. — Santiago afundou na neve enquanto se aproximava, parando perto de uma árvore. — Quer um cobertor? Ah, isso não... Que tal... hum... posso ir buscar um chocolate quente e... ah, caramba, também não dá. Esqueci que o Davi tirou o fogão da cabana. Foi mal.

— M-mal...M-maldi...

— Olha só, você deveria rezar ao invés de ficar me xingando. Que feio! É com essa boca que você quer beijar a sua mãe lá no céu? — Ele riu, sacudindo-se por causa do frio. — Sabe, Ruggero, eu fui seu amigo por anos, mas você trocou a minha amizade na primeira oportunidade que teve. Você me abandonou, me traiu, desdenhou do meu amor. Isso foi muito cruel da sua parte. E... isso eu não posso perdoar.

Ruggero, que se contorcia com as juntas doendo ao serem congeladas e esticadas ao extremo pelas correntes, soltou um grunhido de dor profunda. Seus pulmões não eram capazes de filtrar o ar. Podia sentir todas as partes de seu corpo parando...parando...parando... Mal sentia os dedos, os lábios, o abdômen e as pernas...

— Eu jurei a mim mesmo que não iria ser tão dramático, mas... OLHA PRA MIM! Você me descartou como lixo e eu te amava! EU FIZ TANTO POR VOCÊ! EU ME ENTREGUEI POR INTEIRO! E o que ganhei em troca? Seu desprezo, humilhações...

Ele esperou que Ruggero dissesse algo, mas o rapaz só tombou para frente, fraco demais para reagir. Santiago então usou o cabo da bengala para levantar o rosto de Ruggero. Queimaduras de gelo já cobriam o rosto do engenheiro. Na verdade, estava cheio de queimaduras causadas pelo frio extremo e a exposição prolongada.

Fuego En La Sangre - Livro 2Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora