• Quarenta e Três

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Ruggero estava calmamente parado em frente a janela do quarto da mansão na qual passou boa parte de sua vida. Ele observava o jardim coberto de neve, recordando ligeiramente do passado, de como tudo ali ficava bonito na primavera.

O engenheiro gostaria que sua filha — e a outra que logo viria — conhecesse a beleza daquele lugar nas outras estações, contudo, havia decidido, venderia a mansão. Iria embora com sua família daquela construção cheia de demônios que precisava ficar pra trás.

Não que ele acreditasse que viveria o suficiente para aproveitar uma nova moradia, mas tinha preparado a negociação de uma casa ainda maior que havia construído anos atrás para um médico, mas que agora estava à venda.
A mansão nem tinha sido usada. Era linda, com um jardim espaçoso e uma vista deslumbrante. Parecia perfeita para um recomeço.

Lógico que ele sabia que a esposa desejava retornar ao Brasil, contudo, o tempo que permanecesse na Itália não seria mais vivido naquele lugar tão sombrio.
Estava mais do que na hora de se livrar daquela página velha de sua história. Ruggero necessitava seguir. Mesmo que seu caminho parecesse bem curto agora.

— O que o meu marido lindo faz tão sozinho aqui? — Cantarolou Karol, adentrando o quarto deles.

Ela havia posto Luna para dormir e se esgueirou para fora da cama da menina, desejando não acordá-la, pois sabia que se isso acontecesse, a garotinha não voltaria a dormir tão cedo.

— Estava aqui pensando na minha belíssima esposa. — Disse ele, seguindo a brincadeira dela, sorrindo.

Karol se deteve no meio do quarto. O rádio dele estava tocando baixinho. A maioria do pessoal já estava em seus quartos; uns dormiam, outros assistiam...
Todo mundo junto, felizmente.

— Você parece realmente pensativo. — Falou, observando-o.

Ruggero se apoiou no parapeito da janela e virou-se para ela, enfiando o celular dentro do bolso da calça.

— Está tudo bem. — Respondeu. — Liguei para o hospital, confirmando que amanhã bem cedo irei lá assinar os termos.

— Eu pensei que tudo tinha ficado bem acertado de manhã.

— Apenas quis garantir. — Garantir que não era o Santiago na frente da escola da Luna. — Já está tudo certo, meu amor. Não precisa ficar com esse olhar preocupado.

Mas ela não pôde evitar a faísca de preocupação que se acendeu dentro de seu coração. Parecia que algo estava escapando por entre seus dedos e desejou saber mais.

— Disseram algo?

— O médico disse a mesma coisa. — Ruggero foi entrando no quarto, afastando-se da janela. — Deram o último relatório do dia, mas como sempre nada mudou. Morte cerebral.

As últimas palavras de Ruggero acertaram Karol. Ela virou um pouco o rosto como se tivesse levado uma bofetada.
Não que sentisse por Santiago, mas ao ouvir aquilo um filme passou por sua mente. Ela se recordou do dia em que o conheceu e todos os outros que vieram em seguida... A sensação era de que um século tinha se passado.

— É possível que... Não. Deixa. Deixa pra lá. — Ela bufou, indo até a cama para puxar as cobertas. — Ando tão maluca por causa dos hormônios da gravidez que acho que estou ficando doida.

Ruggero estremeceu. Será que ela também tinha visto aquele vulto? Desejou que não. Sinceramente era melhor que não.

— Não vai me deixar compartilhar da sua loucura? — Gracejou mesmo que estivesse apenas achando uma forma de fazê-la falar.

— Não é nada importante. — Karol afofou o travesseiro com mais vigor do que era necessário. — Agora, me diga, como anda aquele projeto novo? Estive trabalhando na papelada hoje...

Fuego En La Sangre - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora