● Quarenta e Seis

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O ar ali parecia mais frio de propósito. Você chegou tarde demais. Você deixou a sua filha morrer. Karol arfou, batendo com força a porta do carro atrás de si. Então cambaleou pela neve. Os pés afundando. Não estava com os calçados certos, tampouco um casaco quente. Perdeu! Perdeu! Perdeu!

— Não! — Ela gritou ao vê-lo. Davi.

O médico olhou por cima do ombro, virando-se devagar, como se quisesse fazer suspense, muito embora sua face pálida e brutal estivesse esticada em um sorrisinho vitorioso.

Ele se curvou para frente e derrubou o corpinho minúsculo que trazia nos braços. Luna desabou sobre Alex que estava desmaiado ali, sangrando sobre a neve branquíssima.

O mundo em volta parecia muito silencioso.

— Eu sabia que você iria vir. — Davi andava com firmeza, pisando com força, indo até Karol que já corria a essa altura. Ela corria rumo à filha. — Não tão rápido, meu Sol. Não tão rápido!

E a pegou. Pegou primeiro pelos cabelos, puxando-a com tanto afinco para trás que Karol bateu com as costas no peito dele. Um sopro de ar escapou pelos lábios dela. A advogada mordeu a ponta da língua durante o movimento e sua boca ficou cheia de sangue rapidamente. Ela quis cuspir e gritar, mas Davi largou seus cabelos e se concentrou em sua garganta, apertando com força.

— Está se engasgando? Ops! Perdão. Não foi a minha intenção ser tão cruel, meu amor. — Mas apesar de sua voz doce, Davi continuou apertando a garganta dela. Karol grunhiu, o sangue ficou preso quando sua glote começou a se fechar. Uma espécie de tosse explodiu por seus lábios arroxeados. — Vamos sair daqui. Eu tenho um plano muito melhor para nós dois.

— Luna...

A voz da mulher era um mero murmúrio feito de desespero e dor, e assim como todos os sentimentos fadados a machucar, esse quase tomou a forma de uma faca afiada que a mataria.

— Não consegui leva-la ao lago. — Davi lamentou, arrastando Karol até o lado do carona de seu carro. — Acho que não sou tão bom em cumprir promessas, não é?

Karol viu no último segundo quando Luna se apoiou nos bracinhos. Suas mãos minúsculas se espalmaram contra o peito de Alex que continuava desacordado. A menina balançou a cabeça. Seus cabelos finos e sedosos estavam cobertos por uma fina camada de neve. Luna olhou em volta, desnorteada. Logo a frente, o lago do qual Davi falava. Estava completamente congelado.

— LUNA!

— Ai, ai, ai, meu sol! Para que gritar? — Com força, Davi empurrou-a para dentro de uma vez. — Nossa filha está bem. Logo não sentirá mais nada...

Karol estava perfeitamente consciente da arma que Davi apontava em sua direção, mas mesmo assim começou a chutá-lo, tentando abrir a porta. Foi aí que veio o primeiro soco.

O impacto não teria doído tanto se um dos dentes inferiores não tivesse se desprendido e pulado da gengiva, inundado a boca dela com mais sangue. Karol gritou. Estava com a sensação de que maxilar tinha saído do lugar, mas não teve certeza. Seus olhos se encheram d'água e sua cabeça girou. Ela tombou contra o banco.

Davi tomou seu lugar no banco do motorista e ligou o carro, olhando de soslaio para a mulher ao seu lado, extremamente contente com o fato de ela ter se acalmado.

Contudo, Karol não estava calma. E ficou ainda mais desesperada ao ouvir o tiro que ele deu antes de acelerar para longe dali.
De alguma forma ela sabia que aquele tiro tinha sido na direção de sua filha.

O carro escorregou dezenas de vezes na pista. A neve que derretia tornava aquele trajeto extremamente perigoso. Além do mais, a estrada era sinuosa, cercada por árvores. Os Alpes pareciam tão próximos que talvez estivessem se tornando muros brancos inescrupulosos para os quais eles iam de encontro.

Fuego En La Sangre - Livro 2Where stories live. Discover now