c a p í t u l o ✿ 2

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porque nada está dando certo

tudo está uma bagunça

e ninguém gosta de ficar sozinho

(i'm with you)




Todos os dias eram insuportáveis, mas às vezes Bianca encontrava um pouco de paz durante as aulas de dança.

Cumprimentou a moça que ficava na recepção do prédio de artes, uma das construções mais antigas do internato e que o demonstrava em sua aparência: tinha uma arquitetura clássica, com as paredes rosadas repletas de trepadeiras. Fátima, a responsável pela recepção, não era muito simpática, mas sempre a cumprimentava de volta e em alguns dias aquela era a interação amigável que tinha com alguém.

Como sempre, cruzou com alguns minutos de antecedência a porta deslizante da sala de dança, deparando-se com o local vazio. Era espaçosa, com chão de madeira escura e uma parede inteira espelhada. O cheiro forte de lavanda a enjoava um pouco, mas fora isso, quase conseguia respirar aliviada lá dentro.

— Chegou cedo, Bianca — Ouviu a voz fria da professora Gisele. A mulher de aparência quase aristocrática levantou-se do chão, onde praticava yoga. Sua postura perfeita era quase intimidadora, principalmente em conjunto com o rabo de cavalo forte que prendia os cabelos lisos.

Aquela observação era apenas uma formalidade, porque a segundanista sempre chegava cedo. Gostava de aproveitar qualquer possibilidade de ficar longe do seu quarto, ou ainda do dormitório do segundo ano.

— Desculpa, professora — Bianca se encolheu, acostumada àquela "bronca". — Posso ficar aqui no canto e começar o alongamento?

Gisele bateu a mão no ar, sinalizando um "anda logo". Apesar de ser de poucas palavras e ter aquele jeito duro, a mulher não era um dos maiores pesadelos de Bianca no internato (diferente da professora de matemática, por exemplo...). Mais de uma vez murmurou elogios à fluidez na movimentação de Bianca ou a usou de exemplo na sala, como uma aluna dedicada em aprender as coreografias.

Fingia que o dia em que a professora falou, em voz alta, que Bianca precisava perder peso para ser uma dançarina melhor nunca existiu. Provavelmente foi só um deslize, um dia em que seu humor não estava bom e procurou qualquer defeito que encontrasse...

Sacudiu a cabeça, afastando aqueles pensamentos e ergueu os braços para iniciar seu alongamento enquanto se posicionava diante do espelho. Preferia se alongar sozinha, pois quando as outras alunas chegassem, já estaria pronta e poderia ficar esperando nos bancos de madeira até que a aula começasse. Elas sempre formavam círculos ou duplas e Bianca ficava de fora mesmo.

Respirou fundo e aproveitou a sensação dos músculos se esticando. Às vezes era como se aquelas poucas horas dançando seus problemas para longe lhe revigorassem pelo resto da semana...

A primeira lembrança que tinha da infância era em uma aula de ballet, quando ainda tinha dois anos. Também passou pelo jazz, house e street dance — e foi pela última que acabou optando no internato. Para Bianca, dançar era como respirar: tão natural que sequer imaginava não o fazer. O que tornava ainda pior o fato de dividir aquela sala com diversas alunas que, em outra ocasião, fazia questão de se manter longe.

No geral, era uma menina dedicada e perfeccionista em todos os aspectos da sua vida. Por isso, diferente de respirar, algo onde ninguém particularmente se destaca, Bianca dançava muito bem. Seus movimentos eram energéticos e precisos, aprendia com facilidade qualquer coreografia e não raramente era a dançarina que mais chamava atenção durante as apresentações.

CamelliaWhere stories live. Discover now