c a p í t u l o ✿ 5 9

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ser apenas amigos

tudo que devemos fazer

é ser apenas amigos

(just be friends)




— Eu tô bem sim, Emy. — Daniel falou ao celular, erguendo o rosto para apreciar o céu alaranjado de fim de tarde. Agradeceu por agosto finalmente estar chegando ao fim, e levando o inverno embora consigo. — E você, tá legal?

Havia virado uma regra entre eles no último mês: "tudo bem?" não era uma pergunta retórica ou simplesmente educada. Ambos esperavam que sempre fosse respondida com total sinceridade. Sabiam muito bem que, com a família que tinham, um desabafo podia ajudar a segurar a barra.

Emily deu uma risadinha animada que deixou o coração dele quentinho. Ouvir a irmã rindo ainda era meio raro, mas aos poucos parecia se tornar mais frequente.

— Aham. Eu voltei com o francês, sabia?

— Caramba, sério?! — Daniel parou, genuinamente surpreso com a notícia. — Nossa Emily, que bom! E... teve algum motivo pra isso?

Diferente de Daniel, que nunca mostrava muito interesse nas coisas (havia feito apenas alguns anos de francês por exigência da mãe) e preferia andar de skate a fazer qualquer outro esporte, Emily sempre foi capaz de fazer mil atividades extracurriculares. A irmã gostava da dança, do ballet, da hípica, jogava bem o vôlei e definitivamente tinha facilidade para línguas. E então... depois da depressão, uma a uma foi largando as aulas (e apenas seguiu na dança por obrigação do Madre Cordélia). A cada desistência, era outra crise familiar, o que só contribuia para piorar tudo.

Por isso era tão bom ouvir aquilo de Emily. Se fosse sincero, Daniel já tinha desistido da própria vida há muito tempo — e seus pais meio que concordavam que ele era um fracasso —, mas tudo o que mais queria era ver a irmã tendo sucesso em qualquer caminho que escolhesse.

— Sim, eu não ia aguentar que você falasse francês melhor do que eu. — Ela brincou, e Daniel deu uma risada. — Não ri de mim, tá? Mas eu e a Bianca estávamos vendo uma série e um dos personagens falava em francês e... eu fiquei motivada a voltar! Então fiz a matrícula rápido o suficiente para não dar tempo de me arrepender e... hoje foi a minha primeira aula. Eu fiquei bem feliz.

— Você é incrível, Emily. — Ele falou, com sinceridade. — E... a mãe já soube?

— Eu precisei contar para ela, né, para me matricular... Ela não falou nada de mais. Ficou feliz, até.

— É, ela tá mais suave ultimamente. Eu... minhas notas melhoraram um pouco, sabe? Eu não estava me sentindo bem no mês passado e diminuí um pouco as lives, então foquei nos estudos para ocupar a cabeça. — Daniel conteve o impulso quase automático de morder a língua e calar a boca. Sempre achava que os outros não tinham interesse em ouvir seus desabafos, mas estava se esforçando para pelo menos se abrir com a irmã. — Ela me ligou semana passada, a gente conversou um pouco e ela me parabenizou. Nem falou de faculdade ou vestibular.

— Pois é... Acho que ela tá mais tranquila porque o pai não está em casa. — Emily suspirou. Nenhum deles falou, mas ambos sabiam que provavelmente Mario estava vendo a amante.

Nada daquilo era particularmente novo na vida de nenhum dos dois. Havia momentos em que seus pais estavam insuportáveis e, em outros, quase pareciam... pessoas normais. Ele também tinha falado com o pai naquele mês e, apesar de sequer cogitar a possibilidade de se desculpar pelas palavras que disse nas férias, estava um pouco mais tranquilo.

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