Chapter LIII

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Episode: the blue of your voice

O inferno é complexo.
Talvez abstrato.

Muitas religiões tinham a crença irredutível de que ele era, como um fato incontestável, um local real. Onde os seres humanos eram enviados, pós a vida, para serem castigados por seus pecados. Um lugar de tormenta e sofrimento – em sua maioria, eterno – como consequência de erros que julgavam serem imperdoáveis.

Outros, no entanto – apesar do consenso geral de que o inferno, em todas suas nuances, era uma zona de condenação e suplícios – partiam do pressuposto que havia a possibilidade dele ser nada mais que um simples estado mental. Uma metáfora para elucidar aflições e agonias psicológicas.

Dante Alighieri o usou para expressar suas opiniões políticas e religiosas, além de criticar práticas da igreja católica.

Mew Suppasit, no auge da sua juventude e descoberta sobre a vida, chegou a se interessar em ler A Divina Comédia. Havia estudado superficialmente sobre os nove círculos do inferno durante uma aula de literatura na escola – onde ouvira Christopher falar desde o primeiro círculo, o qual era destinado aos não batizados, até o nono, o mais profundo e reservados para os traidores, com olhos atentos e interessados – e, em consequência disto, aspirou ler a obra integralmente. Almejou aprofundar-se na história, querendo ser capaz de conhecê-la com mais propriedade.

Todavia, enquanto pensava no passado, recordou-se de que, naquela época, havia caído no sono logo nas primeiras páginas. A leitura fora maçante demais para o pequeno músico de quinze anos.

E, ainda estando perdido em seu devaneio, o músico respirou fundo e fitou os olhos expressivos que o encarava de volta, dispondo um vago pensamento a respeito de sua primeira – e única – tentativa falha em ler a obra, desejando ter insistido um pouco mais para conclui-la. Pensando que assim, certamente a compreenderia plenamente naquela altura e, talvez, conseguiria identificar o motivo de Gulf Kanawut estar no meio da madrugada, na porta da sua casa, citando um trecho de A Divina Comédia para ele.

O jovem professor, com aquelas orbes castanhas e atormentadas, apenas encarava-o com uma profundidade misteriosa.

Ele havia aparecido na casa do músico no meio da noite, sem qualquer aviso, acordando-o abruptamente com o som da campainha e o deixando vagamente atordoado ao ver que se passavam das duas horas da madrugada.

Suppasit, em seu estado recém acordado, sequer chegou a imaginar que sua visita inesperada referia-se ao jovem rapaz. Apenas levantou-se sonolento da cama, arrastando-se até a beirada e demorando a perceber que o motivo do seu despertar havia sido a campainha da sua casa tocando de forma estridente.

Não era uma noite tranquila e quente como o habitual em Bluebird. A ilha, pela primeira vez em semanas, era acometida por uma tempestade furiosa e barulhenta. Com relâmpagos límpidos, trovões ressoando a cada instante e uma chuva intensa caindo ao lado de fora. Era raro que chovesse torrencialmente em Bluebird, mas ocasionalmente ocorria.

Então, quem o visitaria no meio da noite em um tempo como aquele?

Contudo, não pensara muito nesse questionamento, tampouco tivera algum tipo de hesitação em vestir-se rapidamente, com apenas uma calça moletom, para descer as escadas em direção ao som da campainha. Ela havia tocado mais duas vezes antes dele finalmente abrir a porta, surpreso ao dar de cara com Gulf Kanawut completamente encharcado e parado em sua frente, com água pingando nas pontas do cabelo, a postura curvada e roupas grudadas no corpo.

O que houve? – foi a primeira coisa que Mew pronunciou, coberto de preocupação. – O que faz aqui nesse horário e debaixo dessa chuva? Vamos, entre. Você vai acabar ficando doente.

The Blue Of Your Voice • Fanfic MewGulfOnde histórias criam vida. Descubra agora